por Phillip Longman
"Deus morreu?". Eu tinha 11 anos quando vi aquela capa até hoje famosa da revista Time de 1966 sobre a mesinha de café do meu tio. A notícia de que Deus estava, se não morto, ao menos ausente, eu absorvi com a literalidade de quem ainda não era bem ainda um adolescente. Certamente parecia possível, já que eu nunca o tinha visto, apesar de muito tempo de igreja. E Deus também não parecia estar envolvido nos acontecimentos do mundo, agora que eu começava a entendê-los. Ninguém que eu conhecia invocava a autoria pessoal de Deus para explicar o mundo tal como eles sabiam que estava sendo deixado para minha geração. Como disse aTime, citando o teólogo jesuíta John Courtney Murray, "A grande máxima americana é: 'A religião é boa para as crianças, embora eu mesmo não seja religioso.'" No fim da infância, em uma época secularista, parecia ser mais ou menos isto, mesmo. Deus estava na mesma categoria que o Papai Noel.
Hoje, é claro, Deus voltou para valer, ao menos nas notícias. Na verdade, Deus está tão de volta que os assim chamados neo-ateus - Richard Dawkins, Christopher Hitchens, Sam Harris, e outros - estão em fúria, escrevendo livros que denunciam o crescente papel do fundamentalismo religioso nos assuntos mundiais, da inspiração que dá aos terroristas islâmicos até a mobilização dos "votantes com valores", nos Estados Unidos. Como isto aconteceu?
Para os secularistas, a explicação menos perturbadora depende da conhecida desculpa das "forças da reação". Mudanças demais, liberdade demais e as ofuscantes luzes de neon da razão afetam algumas pessoas como um vírus, fazendo elas regredirem a um "pensamento mágico" e/ou "se agarrem" a outras formas de primitivismo. No Oriente Médio, insiste esta narrativa, a rápida urbanização, a modernização e a alienação criaram um ressurgimento do fundamentalismo religioso. Para as fileiras crescentes da Direita Cristã, continua este raciocínio, a "revolução nos valores" desencadeada nos anos 60 - feminismo, direitos dos gays, auto-realização, multiculturalismo - foi simplesmente demais para eles. Eles vão superar isto com o tempo, dizem eles, tentando se tranqüilizar; se não, a maioria dos seus filhos vai.
Eis aqui um sério problema com esta teoria: as pessoas muito religiosas de hoje tendem a ter um número relativamente grande de filhos, enquanto que os secularistas têm cada vez menos, quando os têm. Se você acredita na evolução (e qual secularista não acredita?), então você tem que levar em consideração esta explicação totalmente naturalista para o retorno de Deus.
Claro: tanto nos países pobres como nos ricos, sob todas as formas de governo, as taxas de natalidade estão declinando, por todo o globo. Mas elas estão declinando menos entre os que seguem leis religiosas estritas e possuem uma fé literal na Bíblia, na Torá ou no Corão. Na verdade, o padrão da fertilidade humana agora se encaixa neste padrão: os que tem menos probabilidade de procriar são os que não professam nenhuma fé em Deus; aqueles que se descrevem como agnósticos ou simplesmente espiritualistas têm apenas um pouco mais de probabilidade de permanecerem sem filhos. Subindo no espectro, os tamanhos das famílias crescem entre os unitaristas, judeus reformados, evangélicos convencionais e católicos relaxados, mas as taxas de natalidade encontradas nestas populações ainda estão muito abaixo dos níveis de reposição. Apenas quando vamos nos aproximando da esfera da prática e da fé religiosa marcadas por uma intensidade que poderíamos chamar, por falta de uma palavra melhor, de "fundamentalismo", é que nós encontramos bolsões de elevada fertilidade e, conseqüentemente, rápido crescimento populacional.
De acordo com um estudo publicado no American Journal of Sociology, três quartos do crescimento do protestantismo conservador nos Estados Unidos é explicado pelas taxas de crescimento populacional mais altas desta população, durante o século passado, em comparação com as dos evangélicos convencionais. Além do mais, a correlação entre a fé fundamentalista e altas taxas de fertilidade vão ainda mais longe no espectro da convicção e da prática religiosa. Assim, os Amish da linha conhecida como Andy Weaver, que são, talvez, os mais severos de todos em sua rejeição à modernidade, têm uma taxa de fertilidade mais alta (em média 6.2 filhos por família) do que os Amish da linha conhecida como Nova Ordem (4.8 filhos), que, tendo começado nos anos 60, fizeram concessões ao progresso, como permitir eletricidade em suas casas.
Da mesma forma, em Israel, os judeus ultra-ortodoxos, ou Haredim, com uma média de quase sete filhos por família, estão se reproduzindo muito mais do que os judeus simplesmente ortodoxos, para não falar dos israelenses mais seculares. Deste modo, observa-se agora uma profunda diferença de gerações na sociedade israelense, a qual reverte o padrão histórico que até as pessoas muito religiosas já supuseram que levaria inevitavelmente ao declínio dos antigos costumes e fé. Hoje, só 2.3 por cento dos israelenses com mais de 80 anos são Haredi. Mas tamanho é o impulso demográfico desta denominação que 16 por cento de todas as crianças israelenses com menos de 10 anos estão em seu rebanho.
Quando têm que se haver com o fato de que estão sendo ultrapassados demograficamente, os secularistas frequentemente respondem que muitos, se não a maioria dos filhos nascidos em famílias muito religiosas, irão rejeitar a fé de seus pais - tamanha é a suposta sedução da liberdade e da individualidade. Este raciocínio se encaixa na experiência de vida de muitos da geração Baby Boom que atiraram longe as cadeias da autoridade tradicional, nos anos 60 e 70, e não conseguem imaginar por que a humanidade não terminaria por alcançá-los e mesmo ultrapassá-los.
Testemunhando contra este raciocínio, entretanto, estão alguns obstinados fatos demográficos. Ocorre que nas famílias fundamentalistas, a coisa funciona mesmo. E quanto mais exigente a fé, mais esta regra se aplica.
Apenas cinco por cento das crianças nascidas entre os amish mais conservadores, por exemplo, migra para outra fé ou outros estilos de vida. A taxa de deserção é maior entre os amish da Nova Ordem, os mórmons e outras comunidades fundamentalistas comparativamente menos exigentes. Além disto, as deserções que eles possam experimentar são mais do que compensadas pelas conversões, com o saldo final líquido favorecendo as doutrinas mais conservadoras, de acordo com dados de pesquisa reunidos pelo Centro Nacional de Pesquisa de Opinião, da Universidade de Chicago. Desta forma, observa-se que 21 por cento dos convertidos abandonam denominações mais moderadas e liberais em favor de outras mais fundamentalistas e só 15 por cento fazem o caminho inverso. Há muitas correntes e contra-correntes que nos afetam a todos nós como indivíduos, mas, entre uma taxa mais alta de fertilidade e uma doutrinação mais bem sucedida, a corrente demográfica principal da história está claramente fluindo a favor do fundamentalismo.
Estas e outras descobertas relevantes feitas pela sociologia da religião aparecem em um impressionante livro novo de Eric Kaufmann, entitulado Shall the Religious Inherit the Earth?: Demography and Politics in the Twenty-First Century [Os religiosos herdarão a Terra? - Demografia e política no século 21.] O livro foi lançado no Reino Unido e será publicado nos Estados Unidos na próxima primavera. Formado em Ciências Políticas pela Universidade de Harvard e atualmente lecionando na Universidade de Londres, Kaufmann não apresenta quaisquer argumentos baseados na fé e não precisa deles para expor sua tese. O bom e velho darwinismo, aplicado empiricamente às condições modernas, já bastam.
Num mundo onde ter filhos raramente é acidental e quase nunca é economicamente recompensador, as taxas de nascimento cada vez mais refletem as escolhas de valores. E assim, pelo processo darwininano, os que seguem as tradições que preservam e celebram a antiga ordem para se "crescer e multiplicar", acabam plantando mais dos seus genes e idéias no futuro do que os que não o fazem. Como Kaufmann mostra, a fertilidade, com o tempo, funciona como os juros compostos. Ou seja, mesmo que as famílias fundamentalistas tenham apenas uns poucos filhos a mais do que as seculares ou moderadamente religiosas, se elas conseguirem fazer seus filhos manter firmes sua fé e seus valores fundamentalistas (sobretudo com relação à reprodução), a passagem das gerações vai multiplicar seu número e influência. Da mesma forma, os secularistas e os outros que escolhem ter apenas um ou dois filhos e que passam adiante estes valores para eles verão, com o tempo, sua população declinar rapidamente.
Ironicamente, a estrutura e a sensibilidade da sociedade secular estão causando sua própria morte. Nos anos 60, um secularismo em expansão pode ter feito a religião refluir severamente como uma força histórica, mas, ao fazê-lo, ele fortaleceu os demais bastiões da fé e pôs em marcha estruturas de reprodução e aculturação que podem permitir às formas mais fundamentalistas reconquistarem o futuro. Embora possa haver, é claro, uma razão mais profunda, não se precisa acreditar em nada além disto para entender por que o Deus que estava ausente em minha infância retornou.
Phillip Longman é membro da New America Foundation escreve no Washington Monthly. Seu último livro, em co-autoria com Ray Boshara, é The Next Progressive Era: A Blueprint for Broad Prosperity [A próxima era progressiva: um mapa para a prosperidade geral]
Fonte: www.midiasemmascara.org