domingo, 16 de janeiro de 2011

O dedo de Deus...



por Luiz Caversan


Logo que fui morar no Rio, nos anos 90, quis muito conhecer a tão famosa região serrana, e bastou a chegada do primeiro verão de verdade, quando as temperaturas cariocas alcançam fácil os 40 graus, para que procurasse o frescor das montanhas. O conjunto de cidades incrustadas na serra distante pouco mais de duas horas da capital é a pedida quando se quer aliviar um pouco o forno em que se converte a Cidade Maravilhosa entre novembro e março.

O destino era Teresópolis (cujo nome homenageia dona Tereza Cristina, mulher de D. Pedro 2º), que já me encantava à distância: nos dias claros e límpidos, era possível ver desde o Rio o contorno recortado das montanhas, com o pico Dedo de Deus espetando o céu com seu desenho único, atingindo mais de 1.600 metros de altitude.

E assim foi que poucas horas depois de contornar a Baía de Guanabara, seguir pelo começo do interior do Estado do Rio, ali estava a Serra dos Órgãos (na verdade um trecho da Serra do Mar) com toda a sua majestade. A estrada que sobe a serra corre praticamente rente ao conjunto de pedras que formam o maciço em que reina a rocha pontuda como um indicador apontando o caminho que todos os crentes imaginam para si depois da morte. Ver aquela escultura natural gigantesca assim tão de pertinho foi absolutamente emocionante, é e será sempre inesquecível.

Assim como não se há de olvidar os caminhos sinuosos de vales e morros e sulcos profundos entre as rochas que compõem a geografia daquela região, ligando Teresópolis a Araras a Petrópolis e a outras localidades encantadoras, frescor garantido no verão, inverno "europeu" nos meses frios.

Arquitetura, vegetação, clima, tudo lembra mesmo certas regiões da Europa. Como a estradinha que sai de Teresópolis e vai por entre vales e morros até Itaipava e que ostenta durante um longo trecho milhares e milhares de hortênsias em flor. Cenário de filme, a estradinha estreita e calma e o desfile de flores brancas, azuis, lilases...

Não há como impedir que lembranças tão bucólicas, que remetem tanto a paz e harmonia, venham emotivamente à mente diante da tragédia, do caos, do horror desses dias.

A maior tragédia natural da história do país tinha que acontecer logo ali, naquela montanha encantada?
Por que o Dedo de Deus não empurrou as nuvens assassinas para outras plagas, mais planas, onde causariam menos dor? Por que o dedo do homem estava ali para garantir a desgraça?

Talvez. Ou certamente, e isso deve ser tema de muita discussão, sem duvida.
Mas, por hora e por respeito, fica aqui apenas a lembrança carinhosa daquelas terras, a oração aos que se foram e a solidariedade aos que sofreram perdas tão terríveis.



Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizcaversan/860651-o-dedo-de-deus.shtml

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