terça-feira, 24 de agosto de 2010

Tratado sobre a Exortação aos Pagãos...


Clemente de Alexandria


(Comentário a Mc 10,46-52, evangelho do XXX domingo do Tempo Comum - ano B)


Acolhamos a luz e tornemo-nos discípulos do Senhor

O mandamento do Senhor é transparente, ilumina os olhos (Sl 118,9). Recebe Cristo, recebe a visão, recebe a luz para conhecer ao mesmo tempo Deus e o homem. O Verbo pelo qual somos iluminados é mais desejável do que o ouro, do que muito ouro refinado; mais doce do que o mel escorrendo dos favos (Sl 18,11). Como poderia não ser desejável aquele que proporcionou a luz à mente envolta em trevas e tornou mais luminosos e mais vivos os olhos da alma? Se não houvesse sol, haveria somente noite em toda parte, apesar das estrelas. Do mesmo modo, se não tivéssemos conhecido o Verbo nem sido iluminados por ele, seríamos como aves criadas sem luz, para depois sofrermos a morte.

Abramo-nos, pois, à luz, para possuirmos Deus. Acolhamos a luz, para nos tornarmos discípulos do Senhor. Ele prometeu ao Pai: Anunciarei o teu nome aos meus irmãos, no meio da assembléia te louvarei (Sl 21,23). Glorifica-o e fala-me de Deus, teu Pai. Tuas palavras me trazem salvação. Teu cântico me ensinará que até agora tenho errado o caminho ao buscar a Deus.

Mas quando és tu, Senhor, que me conduzes à luz e por meio de ti encontro a Deus e por ti abro-me ao Pai, então me torno co-herdeiro, contigo, porque não te envergonhaste de me chamar irmão (cf. Hb 2,11).

Cuidemos de não esquecer a verdade, afastemos de nós a ignorância, e, dissipadas as trevas que ofuscam como nuvens nossos olhos, contemplemos o verdadeiro Deus, elevemos imediatamente a voz, aclamando: Salve, ó luz! Pois a nós, que estávamos sepultados nas trevas e envoltos na sombra da morte, apareceu a luz do céu, mais pura do que o sol e mais cheia de alegria do que esta vida. Essa luz é a vida eterna e dela vivem todas as coisas que dela participam. À noite, ao contrário, fugiu da luz, e, ocultando-se temerosa, cedeu o lugar ao dia do Senhor.Difundiu-se, por toda parte, aquela luz que não pode extinguir-se, e o ocaso deu lugar à aurora. Isto significa a nova criação. O Sol de Justiça que, em seu curso, domina todas as coisas, ilumina todo gênero humano, sem distinção, segundo o exemplo do Pai, que faz brilhar o sol sobre todos os homens e os asperge com o orvalho da verdade. Ele transportou o poente para o nascente e crucificou a morte transformando-a em vida.

O divino agricultor implantou no céu o homem arrancado à morte, transformando audaciosamente o corruptível em incorruptível, o terrestre em celeste. Trouxe a boa nova, incitando os povos ao bem, evocando a memória as normas de uma vida reta, dando-nos uma herança divina e imensa que ninguém pode arrebatar-nos. Com uma doutrina celeste, santificou o homem colocando em sua mente a lei e escrevendo-a em seu coração (cf. Jr 31,33). De que lei se trata? Todos me conhecerão, desde o menor até o maior, diz o Senhor, pois eu perdoarei sua iniqüidade e não me recordarei mais de seu pecado (Jr 31,34).

Acolhamos a lei da vida, obedeçamos ao chamado de Deus. Acolhamo-lo para que ele nos seja propício. Ofereçamos-lhe, embora não tenha necessidade disso, uma alma bem disposta, como agradável ação de graças pela sua habitação. A Deus, por cuja bondade aqui habitamos, tributemos adoração e amor.

Nenhum comentário: