Martim Vasques da Cunha
1. Sem dúvida, Tropa de Elite 2 é melhor que o primeiro. Evitou-se deliberadamente o aspecto catártico do anterior. É uma continuação anti-climática. O capitão (agora coronel) Nascimento não se torna um Rambo brasileiro e resolve fazer justiça com as próprias mãos. Sim, ele espanca o Secretário de Segurança, mas eu faria a mesma coisa no lugar dele; de resto, ele age dentro da legalidade, quando faz a sua denúncia na assembléia. Outra coisa interessante foi como resolveram o chamado “impasse ideológico” do primeiro filme - não havia impasse nenhum, mas a crítica tinha visto alhos e bugalhos, seja do lado da esquerda como a de uma direita que nunca existiu neste país. Nesta visão tacanha que os realizadores souberam subverter de maneira admirável, Nascimento representaria a visão de “direita” enquanto Fraga representaria a da “esquerda”. Contudo, a tensão entre os dois personagens não é social ou política, mas sim pessoal – ambos têm a mesma mulher como objeto de desejo e ambos gostam do filho de um deles. Isso provoca, em especial no ato final, a reviravolta “ideológica”, em que Nascimento e Fraga têm de se unir não porque são de pólos opostos de um mesmo problema político, mas sim porque há um problema pessoal – a vida do filho – que os fazem esquecer as diferenças ideológicas e buscarem um denominador comum para o bem geral da sociedade. Ou seja, o filme não é de direita, nem de esquerda: é sobre dois pais que vêem o filho se tornando vítima da guerra do “sistema”.
2. O que impressiona no filme é a direção de José Padilha. Tem ritmo, não se perde nas diferentes histórias que se cruzam, sabe filmar como macho; desta vez, dá espaço para a reflexão (o que faltava no filme anterior, que caía na ação pela ação), sem deixar que a exposição dos personagens através da ação se perca em um emaranhado de informações pouco claras. O grande exemplo é a sequencia inicial da rebelião em Bangu, filmado com precisão de mestre, ouso dizer (e olha que eu digo isso de poucos, em especial diretores brasileiros, como todos sabem).
3. Não podemos esquecer de Wagner Moura. O olhar dele no momento da assembléia diz tudo; é o homem que perdeu todas as batalhas, mas não a sua dignidade. (Aliás, esquecem de dizer que Nascimento pode ser um homem truculento, mas sobretudo é um sujeito honesto e com uma noção profunda de uma consciência moral.)
4. O roteiro de Bráulio Mantovani e do próprio Padilha é muito bom, com uma carpintaria rara de se encontrar na dramaturgia visual brasileira; há pelo menos umas três cenas de diálogos – a conversa de Nascimento com Mathias na prisão militar, a conversa de Rosane com Fraga enquanto discutem a prisão do filho e a conversa de Nascimento com seu filho enquanto lutam judô – que são aulas sobre diálogos que dizem mais no silêncio do que as palavras em si. A elegância de como o espectador descobre os dados dos personagens é formidável; os detalhes da camiseta do Human Rights Aid e como sabemos que Fraga se tornou o marido de Rosane são engenhosos. Outra coisa que marca é como a visão do “sistema” é inspirada em The Wire, a fantástica série de David Simon; o tema do indivíduo x instituição é abordado como uma tragédia grega, em que Nascimento se mostra impotente e, por isso mesmo, em um desabamento moral que desmistifica a figura icônica do primeiro Tropa.
5. Fica aqui meu repúdio à crítica de cinema ao analisar o filme; alegaram que ele seria niilista; acho que é duro, sombrio, mas não tem nada de niilista; afinal, em um filme que só mostra podridão, um pai ver o filho abrindo os olhos e saindo do coma é algo deveras esperançoso, não acha, meu caro leitor?
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