sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

De volta ao passado...

Quase 500 anos depois da separação, intenção da Igreja Católica de atrair sacerdotes anglicanos encontra forte resistência.

por Carlos Fernandes

Pegou muito mal entre líderes da Igreja Anglicana a decisão do Vaticano de receber no catolicismo os sacerdotes e fiéis que estejam insatisfeitos com aquela confissão. A medida, anunciada em outubro pelo prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé da Igreja Católica, William Levada, foi considerada um “duro golpe” contra os anglicanos, que nos últimos anos vêm enfrentando rachas em várias partes do mundo por conta da adoção de práticas heterodoxas, como a ordenação de sacerdotes homossexuais, a sagração de mulheres ao episcopado e a celebração de casamentos entre parceiros do mesmo sexo. A decisão da Santa Sé, a ser publicada na sua próxima Constituição Apostólica Romana, permite que clérigos anglicanos convertam-se ao catolicismo “sem abandonar suas tradições”.

Segundo a cúpula católica, a novidade vem ao encontro de numerosos pedidos de grupos de religiosos e fiéis anglicanos oriundos de várias partes do mundo, “que querem entrar em plena e visível comunhão” com a Igreja Romana. É a maior iniciativa de aproximação em quase 500 anos. A separação entre as duas confissões ocorreu em 1534, quando o rei inglês Henrique VIII fundou a Igreja Anglicana ao ter seu pedido de anulação de casamento e segundo matrimônio negado pelo papa Clemente VII. Nos séculos seguintes, a denominação espalhou-se pelo mundo, catapultada pelo imperialismo britânico. Hoje, tem cerca de 80 milhões de fiéis, concentrados principalmente nas nações de colonização inglesa, como Canadá, Estados Unidos e Austrália.

A novidade, longe de agradar o outro lado, tem sido repudiada, inclusive aqui no Brasil: “A provisão papal representa um problema ético de interferência em assuntos internos de outra igreja irmã”, protesta o bispo primaz da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB), Maurício Andrade. O religioso questiona o caráter unilateral da decisão e o fato de ela não se destinar a pessoas que já saíram da Comunhão Anglicana por divergências, mas sim a pastores e membros que ainda a integram. Philadelfo Oliveira, bispo da Diocese Anglicana do Rio de Janeiro, diz que recebeu “com muita preocupação” a decisão do Vaticano: “Soou como proselitismo, ingerência, quase uma convocação”, protesta. A Igreja Anglicana no Brasil espera agora que o que considera uma interferência do Vaticano “não venha a se constituir em empecilho para o futuro do nosso diálogo”.


“Impacto profundo” – Ao redor do mundo, cabeças da Igreja Anglicana manifestaram repúdio à medida. O anúncio do Vaticano é entendido como um duro golpe aos esforços do arcebispo de Canterbury, Rowan Williams – que ocupa a liderança do Anglicanismo global –, de evitar a fragmentação total de sua Igreja, já dividida por polêmicas internas. Em carta enviada aos bispos e ao clero, Williams não escondeu que sentiu-se apunhalado pelas costas: “Lamento que não tenha sido possível alterar isso tudo antes. Fui informado muito tarde do anúncio do Vaticano”. Liderado pelo arcebispo nigeriano Peter Akinola, o grupo Sul Global considera, por sua vez, que a oferta pode exercer “impacto profundo” sobre o anglicanismo. Bispos conservadores ligados à corrente já exortavam seus fiéis, no domingo seguinte ao anúncio da proposta, a reformar a Comunhão Anglicana, em lugar de aceitar o convite de Bento XVI. Em circular, a entidade diz que aqueles que se opõem a gays no clero e outras reformas liberais devem “continuar firmes, prezando o legado anglicano e fomentando uma vocação comum”.

De acordo com as normas estabelecidas, os sacerdotes anglicanos que aceitarem ingressar na Igreja Católica poderão celebrar missas, casamentos e batizados, exatamente como fazem os padres do rito romano. Em contrapartida, os convertidos também terão que reconhecer a autoridade do papa e os sete sacramentos que, segundo o catolicismo romano, são instituições divinas. “Como, em geral, os ministros anglicanos são casados, a Constituição permite que, uma vez reconhecidos na Igreja Católica, eles conservem os laços conjugais em sintonia com o exercício do seu ministério”, explica o padre Elias Wolff, assessor da Comissão Episcopal Pastoral para o Ecumenismo e o Diálogo Inter-religioso da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

Para o presidente do Movimento dos Padres Casados do Brasil, Félix Batista Filho, a medida é um avanço, mas a Igreja Católica cometeu a incoerência de esquecer do próprio clero. “Os pastores anglicanos são casados e terão seu matrimônio mantido, mas os padres precisarão manter o celibato”, critica. Ele mesmo deixou a batina há 20 anos, quando se casou. No entender da professora Maria Clara Birminger, decana do Centro de Teologia e Ciências da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, contudo, a novidade merece ser festejada. “O Vaticano tomou uma decisão muito sábia ao abrir as portas favorecendo a comunhão entre as igrejas de doutrinas cristãs”. Para ela, a resolução é uma resposta natural à evolução do movimento ecumênico, “que ganha forças no mundo”.


Fonte: http://cristianismohoje.com.br/ch/de-volta-ao-passado

A perigosa tarefa de desvendar o passado...

Arqueólogos cristãos arriscam o próprio pescoço em busca de fragmentos que comprovem a fidedignidade da Bíblia.

por Marcelo Barros

O cinema popularizou a figura de aventureiros que enfrentam todos os perigos para desvendar os enigmas do passado. Quem nunca assistiu, por exemplo, um filme do herói Indiana Jones, vivido pelo ator Harrison Ford, que arrisca o próprio pescoço em expedições pelos quatro cantos da Terra? Mas na vida real, os pesquisadores levam uma vida bem menos glamorosa, palmilhando antigas ruínas e cidades perdidas em busca de vestígios de antigas civilizações. Um trabalho duro, que passa longe dos olhos do grande público – a não ser, claro, no caso de uma descoberta espetacular. Com a arrancada da arqueologia bíblica, cada vez mais estudiosos cristãos têm se dedicado a juntar peças e documentos que comprovam a veracidade das Escrituras Sagradas. Movidos pelo interesse científico e pela paixão religiosa, pesquisadores ligados a universidades confessionais ou mesmo autônomos vasculham sítios arqueológicos, sobretudo na Terra Santa, em busca de provas de que heróis bíblicos como Davi, Sansão ou Gideão tenham existido de fato. E, a exemplo do intrépido Jones, também eles já passaram por maus bocados – com a diferença de que, no seu caso, os riscos foram reais.

O doutor Rodrigo Pereira Silva, especialista em arqueologia pela Universidade Hebraica, tem mais de dez anos de experiência em escavações ao redor do mundo. Embora não se sinta um herói, ele admite que já correu risco de morte em algumas situações. Uma delas foi em Jerusalém. “Costumava sempre passar num mercado quando voltava do sítio arqueológico de Shaar ha Golan”, lembra. “Certo dia, não me lembro por quê, segui por outro caminho. Não demorou muito e alguns amigos vieram desesperados me contar que um atentado a bomba no mercado tinha feito 50 vítimas, entre mortos e feridos.” Silva, de 38 anos, é professor de Novo Testamento no Centro Universitário Adventista (Unasp) e curador do Museu de Arqueologia Bíblia, Paulo Bork, instalado naquela instituição, no município paulista de Engenheiro Coelho.

Cada descoberta, claro, tem seu preço. Além de muito trabalho e perseverança, Rodrigo Silva, volta e meia, é envolvido numa situação de perigo. Em 2001, no auge da Intifada, o pesquisador alugou um carro com placa israelense e dirigiu-se a Nazaré, área sob administração palestina. “Errei o caminho e fui atacado com paus e pedras pelos moradores da região, que devem ter pensado que eu era judeu.” No sufoco, fez o que qualquer crente faria – pediu socorro a Deus. “A ajuda veio através de outro motorista, que acenou para que eu o seguisse. Nem sei de onde veio o sujeito, mas ele me indicou o caminho certo e fugi dali”, lembra, divertido. Há dois anos, Silva fazia escavações em Tel Dan, próximo ao Mar Mediterrâneo, quando estourou um conflito entre Israel e Líbano por causa do seqüestro de dois soldados israelenses pelo grupo radical Hizbolla. “Eu só ouvia os caças israelenses passando por cima da minha cabeça e depois o estrondo das explosões dos mísseis.” Por segurança, todos os arqueólogos foram retirados da região. Mesmo assim, Rodrigo Silva não desiste do trabalho: “O que me move é a paixão pela descoberta, pois confio no cuidado e proteção de Deus”, afirma, cheio de fé.

“Vale a pena” – “Temos descoberto tantas evidências que iluminam a parte histórica da Bíblia que isso tem tornado muitos céticos em crentes”, comemora o pesquisador Michelson Borges, citando as palavras do arqueólogo Paulo Bork, um dos mais respeitados arqueólogos bíblicos do Brasil. Bork, que dá nome ao Museu de Arqueologia Bíblica da Unasp. O estudioso hoje vive nos Estados Unidos, onde dá continuidade aos seus trabalhos. “Ele me dizia que sempre existirão aqueles que não crêem na Bíblia e a criticam. Muitos deles não vão mudar sua forma de pensar, independentemente das evidências arqueológicas”, reconhece. Segundo Borges, Bork escavou, em mais de cinco décadas de carreira, em diversos países, como Egito, Iêmen, Jordânia e Turquia, além, é claro, de Israel. Sob o patrocínio do Museu Arqueológico de Jerusalém, realizou entre 1975 e 1978 um trabalho inédito para traçar e definir a localização dos muros e portões da antiga Cidade Santa.

Outro que conhece bem os perigos do ofício de coletar peças antigas in loco é Jorge Fabbro, coordenador do curso de pós-graduação em arqueologia do Oriente Médio Antigo na Universidade de Santo Amaro (Unisa). Ele estava em Megido – local apontado pelo Apocalipse como cenário da batalha do Armagedon, que deve anteceder ao fim dos tempos – em busca de peças da época da ocupação cananita da região, por volta do século 10 a.C. Encantado com a descoberta de uma escama de bronze que provavelmente pertenceu a um guerreiro do período, nem percebeu os combates entre caças israelenses e bases militares do exército do Líbano. Apesar do risco que correu, Fabbro acha que o trabalho valeu a pena. “Os achados foram abundantes e incluem as bases de imensas colunas e os alicerces de um templo monumental do ano 3100 a.C. e muitos outros itens”, entusiasma-se.

De outra feita, caminhando pelas ruas do bairro árabe da Cidade Antiga de Jerusalém a caminho do Monte do Templo, o arqueólogo inadvertidamente já ia entrando no santuário islâmico pela porta de acesso exclusivo a muçulmanos. Ele passava distraído pelas barracas de mercadores que vendem toda sorte de produtos e quinquilharias quando foi agarrado pelo braço. “Fui puxado com grosseria por um soldado da Autoridade Palestina, muito bravo, e nem tive tempo de explicar o engano”, conta. Fabbro só teve tempo de olhar o fuzil do militar e sair rapidamente dali. “É pena que os tempos mudam mas os conflitos humanos permanecem”, comenta o estudioso.


Fonte: http://cristianismohoje.com.br/ch/a-perigosa-tarefa-de-desvendar-o-passado