terça-feira, 30 de setembro de 2008

A grande dualidade humana...

Paulo quando escreve para a igreja em Roma ele diz:

Porque bem sabemos que a lei é espiritual; mas eu sou carnal, vendido sob o pecado.

Pois o que faço, não o entendo; porque o que quero, isso não pratico; mas o que aborreço, isso faço.

E, se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa.

Agora, porém, não sou mais eu que faço isto, mas o pecado que habita em mim.

Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum; com efeito o querer o bem está em mim, mas o efetuá-lo não está.

Pois não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse pratico.

Ora, se eu faço o que não quero, já o não faço eu, mas o pecado que habita em mim. [1]

Ou poderia ser expresso com outra propriedade:

A alegria do pecado às vezes toma conta de mim

E é tão bom não ser divi.....na

E me aproxima do céu

E eu gosto de estar na terra cada vez mais

[...] O direito ainda que profano

[...]Quem se diz muito perfeito

Na certa encontrou um jeito, insosso

Pra não ser de carne e osso [2]

Esta tensão marca a vida de qualquer ser humano. O homem deseja ser o que não consegue ser. Para o cristão é a grande crise de ser santo. Muitos então, criam sistemas disciplinares para a vida cristã na busca de atingir uma realidade que não seja a sua guerra interna. Há uma certa inquietação no coração do homem. Ser o que não pode ser.

As criaturas são ávidas por desejarem satisfazer as demandas da sua finitude. Finitudes estas que são tantas que chegam ao ponto de serem infinitas. Neste ambiente são aflorados a devassidão, a depravação e todos os desejos loucos que o ser humano se entrega.

Mesmo que seja passageira existe alegria em conceber o pecado. Será que ninguém sente um prazer quando peca? Na luta entre pecar ou não pecar, a tensão é imensa. Quando o pecado é realizado o sentimento é de alívio. Mesmo que a tristeza venha depois, a sensação é – acabou a tensão.

A grande questão é que o ser humano está à procura da plena satisfação. É preciso reconhecer que não existe outra fonte que não seja as delícias da presença augusta de Deus. Mesmo no pecado, mas de forma perversa o homem está na busca de Deus. O homem quer o prazer e o prazer é Deus. O prazer no proibido fascina o homem. Mas este fascínio poderia se voltar para o Deus inacessível. Para o Deus absconditus.

Agostinho já disse com muita propriedade sobre esta questão:

Todos aqueles que se afastam de ti e contra ti se rebelam, a ti estão imitando de forma pervertida. Ainda que imitando-te desse modo, mostram que és o criador do universo e, portanto, que não há para onde nos possamos afastar totalmente de ti. [3]

Além de rebeldia o pecado tem uma dimensão de procura por Deus. O que de fato o homem deseja é a liberdade que a libertação proporciona de romper com a tensão que ele vive o tempo todo. Pode até soar escandaloso, mas no pecado é possível encontrar Deus que chama o homem para descansar nele.



[1] Romanos 7: 14-20.

[2] Música Carne e Osso. Composição: Zélia Duncan e Moska.

[3] AGOSTINHO, Santo. Confissões. São Paulo: Paulus, 1997. p. 59.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Chegará o tempo e ele está próximo...

Não tarda para chegar o tempo em que...

As pessoas farão campanhas em prol da unidade

Haverá passeatas heterossexuais

A instituição familiar estará em extinção

Os homens serão uma raridade

O analfabetismo será enorme

A ciência será relativizada

O amor esquecido

A palavra “por favor” será banida

Palavras de ordem não existirão

A verdade será uma lembrança

A tristeza predominará

O caos será o ditador

A vida estará no depósito de lixo

O ar não passará de veneno inalado

Pássaros não terão razões para cantar

O próprio Deus deixará de existir

PS: Reconheço que é uma leitura pessimista da realidade presente e futura.

Mas chegará o tempo e não tarda em que...

A unidade será respeitada

A comunhão será experimentada

A trindade será adorada e espelhada

A sexualidade voltará ao estado original

Existirá uma única família

Os homens voltarão a ser o que de fato são

Estaremos com o próprio conhecimento

O amor reinará triunfantemente

A educação fará parte do vocabulário

O caos será banido e a ordem voltará

A verdade será a razão de tudo

Festas, danças e muita alegria predominarão no novo ambiente

O valor da vida será o mais excelente de tudo e de todos

Haveremos ter um novo fôlego de vida

A liberdade e a novidade serão as razões dos novos cânticos dos pássaros

O próprio Deus fará com que todas estas coisas aconteçam, porque ele esteve morto, mas agora vive para sempre

Falta de inspiração...

Esta ausência atinge os melhores escritores. Não poderia ficar imune a ela. Não por que eu seja um bom escritor, mas ao fato de ser um péssimo escritor.

Semanas e mais semanas nada vinha a minha mente. Sempre atualizado e lendo tudo o que fosse possível, mas não tinha idéia nenhuma para postar.

É impressionante quando o vazio toma o ser humano. Não era falta de oração. Creio que a oração aumentava o vazio. Não fique escandalizado. Mas é verdade. A Bíblia, a devoção e o recolhimento da alma parecem que em dado momento não podem preencher o imenso vazio. Isso não quer dizer que Deus não seja suficientemente capaz de me preencher, mas é o meu momento. Deus entende e respeita. O próprio Deus sentiu isso na cruz. Enfim, nada vinha à mente.

Escrever por escrever não vale a pena. Gosto de coisas interessantes e polêmicas. Nem uma idéia para alfinetar alguém surgia. Recupero-me ainda deste vazio. Creio que a tendência é de aumentar as postagens daqui para frente. Quero penetrar um pouco no mundo de Platão para ver se dali sai alguma coisa que preste.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Irmãos que estudam apenas em casa são aprovados em exame...

CLÁUDIA COLLUCCI
da Folha de S.Paulo

Os dois adolescentes de Timóteo (216 km de Belo Horizonte) que deixaram a escola há dois anos --e estão sendo ensinados pelos pais em casa-- foram aprovados no conjunto de provas determinadas pela Justiça para avaliar se o conhecimento deles é compatível com o de alunos matriculados no ensino regular.

Davi, 15, e Jônatas, 14, tiraram notas médias de 68 e 65, respectivamente, em oito disciplinas --português, inglês, matemática, ciências, geografia, história, arte e educação física. A nota mínima para serem aprovados era 60.

Os pais dos meninos, Cleber e Bernadeth Nunes, estão sendo processados nas áreas cível e criminal por terem retirado os filhos da escola --se forem condenados, podem perder a guarda dos garotos--, conforme a Folha revelou em junho. Eles alegam ser adeptos do ensino domiciliar ("homeschooling"), mas a prática é proibida pela legislação brasileira.

Segundo a promotora de Justiça de Timóteo Maria Regina Perilli, Davi e Jônatas tiraram uma média geral acima de 60.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Educar todo mundo não funciona...

Entrevista concedida a Karla Correia

Jornalista, escritor, filósofo, editor do site Mídia Sem Máscara, Olavo de Carvalho é uma das poucas vozes na imprensa assumidamente conservadoras. E vê essa mesma "escassez" do pensamento de direita no ambiente político. Para Carvalho, a direita no Brasil não sabe ser oposição e só tem fortalecido os partidos de esquerda ao tentar copiar suas bandeiras históricas. Também tem empobrecido o debate político ao deixar de ocupar espaço no ambiente acadêmico e de pesquisar referências em outros países, onde o conservadorismo tem voltado a ter força. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao JB.

Há uma certa dificuldade hoje em encontrar movimentos políticos, partidos ou líderes que se proclamem claramente como de direita no Brasil. A direita está envergonhada?

Faz mais de 20 anos que a direita está sendo burra. Estão todos acreditando nessa coisa de roubar as bandeiras do adversário. Como o abortismo. O pessoal de direita pensa em roubar a bandeira do abortismo e vê nisso uma forma de adquirir também o apoio das pessoas que são abortistas. Mas quando faz isso, pensando em uma vantagem imediata, vai apenas reforçar a ideologia de seu oponente. Todo sujeito que se deixa moldar à idéia de seu inimigo, já está derrotado. É a vitória perfeita, Lênin já dizia que a vitória perfeita era obtida sem lutar, o adversário se entrega. Pois eles, a esquerda, conseguiram

Como isso aconteceu?

A esquerda adotou uma tática muito inteligente criada pelo Antonio Gramsci, o pensador italiano. Consiste em dominar primeiro todo o universo da cultura, das idéias, da educação, antes de conquistar o poder. Então, esse pessoal durante o regime militar já estava aplicando isso. Ocuparam as universidades, as redações de jornais. De repente, não havia mais idéias conservadoras em circulação. E se você não tem as idéias, as pessoas não tem como se definir. Elas não têm nem como se expressar. Se um político hoje vai se expressar, ele usa a linguagem da esquerda. São burros e presunçosos.

E qual é a primeira conseqüência dessa ocupação?

O poeta austríaco Hugo von Hofmannsthal dizia que nada está no ambiente político de um país que não esteja primeiro em sua literatura. Porque é do imaginário formado que você tira as idéias. Agora, você estupidificou a cultura superior e, em conseqüência, a política. Veja a que se dedica o governo brasileiro hoje: a destruir o país e a cuidar de futilidades. Ele quer doar um pedaço do território, doou um pedaço da Petrobras para a Bolívia, quer doar um pedaço de Itaipu para o Paraguai. Deixa aí duas ou três cidades à mercê do PCC, que é o mesmo que as Farc. Está entregando tudo. E ao mesmo tempo está preocupado com a perseguição aos gays. Que perseguição, meu Deus do céu?

O senhor fala que a esquerda dominou os espaços acadêmicos e da mídia. O PT diz a mesma coisa.

Quais são os autores conservadores que escrevem na imprensa brasileira? Eu cito dois: eu e o Reinaldo Azevedo. E só. A esquerda ocupa todos os espaços, manda em tudo, depois briga com ela mesma e fica fazendo choradeira de que está sendo atacada pelos direitistas. Mas o que eles chamam de direita é o que? O PSDB? Ouça o discurso do José Serra. Veja o que o Fernando Henrique fez. Ele praticamente criou o MST com o dinheiro do Estado.

O PSDB é um expoente de direita?

É o máximo de direita que se admite no país, hoje. É o PSDB, a social-democracia, que é a mais velha tradição da esquerda. A verdadeira direita sumiu do Brasil.

Não tem um líder, um expoente conservador que mereça destaque no País?

Dom Bertrand é um grande estadista. Pergunte de qualquer assunto brasileiro para ele e ele conhece tudo e nunca teve um cargo público na vida. E sem ter pretensão, ele não é nem o príncipe herdeiro, faz isso por interesse pelo Brasil. Se ele se candidatasse, eu votava nele na hora.

E no Congresso?

Não consigo pensar em ninguém.

O pouco espaço ocupado pelo conservadorismo faz do brasileiro um povo liberal?

O brasileiro é essencialmente um conservador. É um povo religioso, que acredita na família, no trabalho. Mas não é de perseguir ninguém, então passa essa imagem de liberal. Uma coisa é a crença que o brasileiro tem. Outra é o sentimento que ele nutre pelos outros seres humanos. Claro que existem malucos em qualquer lugar do mundo, você pode pensar no movimento skinhead... mas são quantos em uma população de 180 milhões de habitantes?

O brasileiro é cordial mas se identificou muito com o Capitão Nascimento, do filme Tropa de Elite.

O brasileiro está aterrorizado pelo crime. Cinqüenta mil homicídios por ano são duas guerras do Iraque por ano. É uma coisa brutal, as pessoas estão é conformadas até demais. O pessoal vê o filme com o capitão Nascimento dando porrada em bandido e pensa que é isso que tem de fazer. Eles querem alguém que tome uma providência.

Qual seria o programa de um governo de direita no Brasil, hoje?

Em primeiro lugar, ele teria um enfoque moral, religioso e tradicional. São valores e princípios gerais, veja bem, o governo não pode se meter a ser o grande moralista. O governo não deve educar ninguém nesse aspecto, são as entidades religiosas que devem se fortalecer e atuar. Em segundo lugar, a economia de mercado, que é a única que funciona. Não tem esse negócio de socialismo, intervenção do governo no mercado, isso não funciona. É só o governo meter a mão que a coisa vai para trás. Terceiro é educação clássica. Você tem que primeiro formar uma elite intelectual capaz de educar o restante do país. O governo vem com essa história de educar todo mundo, mas isso não funciona. Não é possível.

A educação então não deve ser para todos?

Não. Educação é um processo irradiante, que vai por círculos concêntricos. Você educa dez, que educam cem, que educam mil, que educam um milhão e vai assim.

Nem ao menos cuidar de erradicar o analfabetismo?

Isso não adianta. Você vai investir um dinheiro maluco nisso e os caras vão sair todos analfabetos funcionais. Porque se você não cria uma tradição de educação, a educação não pega. Se você não tem essa tradição, não tem o amor à cultura, ao conhecimento. A educação deve ser muito séria e começar por uma elite, que vai irradiando esse valor. Quem vai dar a educação para todos? A educação que se dá ao povo hoje não deveria ser dada a ninguém. Oferecer essa educação para meia dúzia de pessoas é um insulto. Para milhares, é um crime.

Qual o maior problema do atual governo federal?

Eu acho que o Brasil concedeu ao Lula todos os direitos. Que presidente brasileiro chega ao poder e, dois anos depois, o filho dele está milionário? Só isso aí seria suficiente para ele perder o cargo. Mesmo que não comprovasse nada, isso é falta de decoro. Presidente deve ser como a mulher de César. Não basta ser honesto, tem que parecer honesto também.

Só funciona assim?

Não compreendo a devoção de algumas pessoas. Para elas, o único modo de se achegar a Deus é a criação da autocomiseração. Elas necessitam dizer algumas palavras: “Eu não presto. Sou um imundo. Sou um sem vergonha. O verme é melhor do que eu”. Reconheço que é preciso o momento da confissão. Mas basear o relacionamento com Deus em sentimentos ou confissões que menosprezam a própria humanidade, não é possível entender isso como algo normativo da Bíblia. Será que não posso reconhecer diante de Deus as minhas qualidades? Será que se torna um pecado dizer em oração ou numa conversa do dia com Deus que fiz algo benéfico e que possa existir alguma coisa boa em mim? Será que negar tudo isso não seria negar a vida do próprio Deus em mim? Ora, se tudo de ruim habita em mim, onde está a presença de Deus? Será que a impressão da pessoa de Deus na minha alma ficou refreada em se manifestar por forças do pecado? Ao mesmo tempo em que Paulo se considerava um miserável, ele destacava várias de suas qualidades.

Algumas pessoas imaginam ou criaram esta imagem – Para se relacionar com Deus é preciso se considerar um nada! Isto gera um problema – se não tenho nenhum valor porque Deus se interessa tanto por mim? Pois quem despreza a si e ao outro não poderá fazer nada por si e pelo o outro. De alguma forma isso cria um relacionamento retribucionista – se o ser humano se menospreza ou se inferioriza diante de Deus, Deus então, passa a amá-lo e a aceitá-lo.

Deus não rejeita as potencialidades que temos. Isto é o reflexo da sua presença em nós. Sob a perspectiva de que somos imagem e semelhança de Deus, é possível dizer que temos algo de bom. Não é um processo de divinização do ser humano como pensou a modernidade. Muito menos de um suposto ufanismo do humanismo em pensar que o ser humano é tudo de bom. Mas a possibilidade de pensar como Lutero de que o pecado não ofuscou a beleza da presença de Deus no ser humano.

É preciso manter um equilíbrio do pessimismo antropológico de Agostinho e de um certo humanismo de Lutero. A maneira de se achegar a Deus pode ser diferente.

Agostinho e as suas conversões, modelo para todos os seres humanos...

por Bento XVI

Audiência Geral

Queridos irmãos e irmãs!

Com o encontro de hoje gostaria de concluir a apresentação da figura de Santo Agostinho. Depois de termos analisado a sua vida, as suas obras e alguns aspectos do seu pensamento, hoje gostaria de falar de novo sobre a sua vicissitude interior, que fez dele um dos maiores convertidos da história cristã. Dediquei a esta sua experiência em particular a minha reflexão durante a peregrinação que realizei a Pavia, no ano passado, para venerar os despojos mortais deste Padre da Igreja. Deste modo quis expressar-lhe a homenagem de toda a Igreja católica, mas também tornar visível a minha pessoal devoção e reconhecimento em relação a uma figura à qual me sinto muito ligado pela parte que teve na minha vida de teólogo, de sacerdote e de pastor.

Ainda hoje é possível repercorrer a vicissitude de Santo Agostinho graças sobretudo às Confissões, escritas para louvor de Deus e que estão na origem de uma das formas literárias mais específicas do Ocidente, a autobiografia, isto é, a expressão pessoal da consciência de si. Pois bem, quem quer que tome conhecimento deste livro extraordinário e fascinante, ainda hoje muito lido, apercebe-se facilmente do modo como a conversão de Agostinho não tinha sido improvisada nem plenamente realizada desde o início, mas possa antes ser definida um verdadeiro caminho, que permanece um modelo para cada um de nós. Este itinerário teve certamente o seu ápice com a conversão e depois com o baptismo, mas não se concluiu naquela Vigília pascal do ano 387, quando em Milão o retórico africano foi baptizado pelo Bispo Ambrósio. De facto, o caminho de conversão de Agostinho prosseguiu humildemente até ao fim da sua vida, a ponto que se pode verdadeiramente dizer que as suas diversas etapas podem-se distinguir facilmente três são uma única grande conversão.

Santo Agostinho foi um pesquisador apaixonado da verdade: foi-o desde o início e depois em toda a sua vida. A primeira etapa do seu caminho de conversão realizou-se precisamente na progressiva aproximação ao cristianismo. Na realidade, ele tinha recebido da mãe Mónica, à qual permaneceu sempre muito ligado, uma educação cristã e, apesar de ter vivido durante os anos juvenis uma vida desregrada, sentiu sempre uma atracção profunda por Cristo, tendo bebido o amor pelo nome do Senhor com o leite materno, como ele mesmo ressalta (cf. Confessiones, III, 4, 8). Mas também a filosofia, sobretudo de índole platónica, tinha contribuído para o aproximar ulteriormente a Cristo manifestando-lhe a existência do Logos, a razão criadora. Os livros dos filósofos indicavam-lhe que há a razão, da qual vem depois todo o mundo, mas não lhe diziam como alcançar este Logos, que parecia tão distante. Só a leitura do epistolário de São Paulo, na fé da Igreja católica, lhe revelou plenamente a verdade. Esta experiência foi sintetizada por Agostinho numa das páginas mais famosas das Confessiones: ele narra que, no tormento das suas reflexões, tendo-se retirado num jardim, ouviu improvisamente uma voz infantil que repetia uma cantilena que nunca tinha ouvido: tolle, lege, tolle, lege, "toma, lê, toma, lê" (VIII, 12, 29). Recordou-se então da conversão de António, pai do monaquismo, e com solicitude voltou ao código paulino que até há pouco tinha nas mãos, abriu-o e o seu olhar caiu na passagem da epístola aos Romanos onde o Apóstolo exorta a abandonar as obras da carne e a revestir-se de Cristo (13, 13-14). Tinha compreendido que aquela palavra naquele momento se dirigia pessoalmente a ele, vinha de Deus através do Apóstolo e indicava-lhe o que fazer naquele momento. Sentiu assim dissipar-se as trevas da dúvida e encontrou-se enfim livre de se doar totalmente a Cristo: "Tinhas convertido a ti o meu ser", comenta ele (Confessiones, VIII, 12, 30). Foi esta a primeira e decisiva conversão.

O retórico africano chegou a esta etapa fundamental do seu longo caminho graças à sua paixão pelo homem e pela verdade, paixão que o levou a procurar Deus, grande e inacessível. A fé em Cristo fez-lhe compreender que Deus, aparentemente tão distante, na realidade não o era. Ele, de facto, tinha-se feito próximo de nós, tornando-se um de nós. Neste sentido a fé em Cristo levou a cumprimento a longa pesquisa de Agostinho sobre o caminho da verdade. Só um Deus que se fez "próximo", um de nós, era finalmente um Deus ao qual se podia rezar, pelo qual e com o qual se podia viver. Este é um caminho a percorrer com coragem e ao mesmo tempo com humildade, na abertura a uma purificação permanente da qual cada um de nós tem sempre necessidade. Mas com aquela Vigília pascal de 387, como dissemos, o caminho de Agostinho não estava concluído. Tendo regressado à África e fundado um pequeno mosteiro retirou-se aí com poucos amigos para se dedicar à vida contemplativa e de estudo. Este era o sonho da sua vida. Agora era chamado a viver totalmente pela verdade, com a verdade, na amizade de Cristo que é a verdade. Um sonho agradável que durou três anos, até quando foi consagrado sacerdote, a seu mau grado, em Hipona e destinado a servir os fiéis, continuando a viver com Cristo e por Cristo, mas ao serviço de todos. Isto era para ele muito difícil, mas compreendeu desde o início que só vivendo para os outros, e não simplesmente para a sua contemplação particular, podia realmente viver com Cristo e por Cristo. Assim, renunciando a uma vida apenas de meditação, Agostinho aprendeu, muitas vezes com dificuldade, a pôr à disposição o fruto da sua inteligência em benefício do próximo. Aprendeu a comunicar a sua fé ao povo simples e a viver assim para ela naquela que se tornou a sua cidade, desempenhando incansavelmente uma actividade generosa e difícil que descreve do seguinte modo num dos seus belos sermões: "Continuamente pregar, discutir, repreender, edificar, estar à disposição de todos é uma grande tarefa, um grande peso, uma enorme fadiga" (Serm. 339, 4). Mas ele assumiu sobre si este peso, compreendendo que precisamente assim podia estar mais próximo de Cristo. Compreender que se chega aos outros com simplicidade e humildade, foi esta a sua verdadeira e segunda conversão.

Mas há uma última etapa do caminho agostiniano, uma terceira conversão: a que o levou todos os dias da sua vida a pedir perdão a Deus. Inicialmente tinha pensado que quando fosse baptizado, na vida de comunhão com Cristo, nos Sacramentos, na celebração da Eucaristia, teria alcançado a vida proposta pelo Sermão da montanha: a perfeição doada no baptismo e reconfirmada na Eucaristia. Na última parte da sua vida compreendeu que o que tinha dito nas suas primeiras pregações sobre o Sermão da montanha isto é, que agora nós como cristãos vivemos este ideal permanentemente era errado. Só Cristo realiza verdadeira e completamente o Sermão da montanha. Nós temos sempre necessidade de ser lavados por Cristo, que nos lava os pés, e por Ele renovados. Temos necessidade de uma conversão permanente. Até ao fim temos necessidade desta humildade que reconhece que somos pecadores a caminho, enquanto o Senhor nos dá a mão definitivamente e nos introduz na vida eterna. Agostinho faleceu com esta última atitude de humildade, vivida dia após dia.

Esta atitude de humildade profunda diante do único Senhor Jesus introduziu-o na experiência de humildade também intelectual. De facto, Agostinho, que é uma das maiores figuras na história do pensamento, quis nos últimos anos da sua vida submeter a um lúcido exame crítico as suas numerosas obras. Tiveram assim origem as Retractationes ("revisões"), que deste modo inserem o seu pensamento teológico, verdadeiramente grande, na fé humilde e santa daquela a que chama simplesmente com o nome de Catholica, isto é, da Igreja. "Compreendi escreve precisamente neste livro muito original (I, 19, 1-3) que um só é verdadeiramente perfeito e que as palavras do Sermão da montanha estão totalmente realizadas num só: no próprio Jesus Cristo. Toda a Igreja, ao contrário todos nós, inclusive os apóstolos devemos rezar todos os dias: perdoai-nos os nossos pecados assim como nós os perdoamos a quem nos tem ofendido".

Convertido a Cristo, que é verdade e amor, Agostinho seguiu-o toda a vida e tornou-se um modelo para cada ser humano, para nós todos em busca de Deus. Por isto quis concluir a minha peregrinação a Pavia recomendando idealmente à Igreja e ao mundo, diante do túmulo deste grande apaixonado de Deus, a minha primeira Encíclica, intitulada Deus caritas est. De facto, ela deve muito, sobretudo na sua primeira parte, ao pensamento de Santo Agostinho. Também hoje, como no seu tempo, a humanidade precisa de conhecer e sobretudo viver esta realidade fundamental: Deus é amor e o encontro com ele é a única resposta às inquietações do coração humano. Um coração habitado pela esperança, talvez ainda obscura e inconsciente em muitos dos nossos contemporâneos, mas que para nós cristãos abre já hoje ao futuro, a ponto que São Paulo escreveu que "na esperança somos salvos" (Rm 8, 24). Quis dedicar à esperança a minha segunda Encíclica, Spe salvi, e também ela é amplamente devedora a Agostinho e ao seu encontro com Deus.

Num bonito texto Santo Agostinho define a oração como expressão do desejo e afirma que Deus responde alargando a Ele o nosso coração. Por nosso lado, devemos purificar os nossos desejos e as nossas esperanças para acolher a doçura de Deus (cf. In I Ioannis, 4, 6). De facto, só ela, abrindo-nos também aos outros, nos salva. Rezemos portanto para que na nossa vida nos seja concedido todos os dias seguir o exemplo deste grande convertido, encontrando como ele em cada momento da nossa vida o Senhor Jesus, o único que nos salva, purifica e concede a verdadeira alegria, a verdadeira vida.

Como de diz?

por Humberto Pinho da Silva


- Obrigado! - responde, constrangido e encolhido, o menino à pergunta materna. E deste modo a criança aprende o sentimento de gratidão.
Certa vez deambulava Jesus pela Samaria e Galileia. Ao avizinhar-Se de povoação foi surpreendido por dez impuros que de longe rogaram-Lhe a cura.
Movido de piedade, o Messias, segundo Lucas - 17:11,19 - respondeu:
- Ide e mostrai-vos aos sacerdotes.
Crentes na palavra do Rabi buscaram o levita, mas um, volveu, para agradecer a mercê.
O Salvador interroga então a multidão:
- Não foram dez os miraculados?; como só um e estrangeiro, voltou para agradecer?!
Quem é entrado em anos não desconhece que a maioria dos que recebem benesses não costumam voltar para agradecer.
Qual o filho que agradece os sacrifícios da mãe e a abnegação do pai? Qual é aquele que obtido a mercê que o habilita a cursar o ensino superior ou entrada no emprego, volta para dizer: Muito obrigado?! Quantos são gratos ao conjugue pela felicidade no matrimónio? Um em dez? Nem tanto.
Alguns, obtido o beneficio, declaram cinicamente: Não preciso dele para nada!… Mas precisaram e, quiçá sem a intervenção do amigo ou familiar, não alcançariam o sucesso na carreira.
Mas maior mágoa não é olvidarem de agradecer, a maior mágoa é quando - o mundo dá tantas voltas! - ao avizinharmo-nos dos que usufruem lugares cimeiros à nossa custa, declaram de semblante cerrado:
- Não gosto de meter “cunhas”; cada um deve subir pelo mérito!…
Todavia protegem os filhos e parentes dos amigos influentes de quem esperam colher retribuições.
Com Deus o mesmo acontece. Quantos penetram no templo para agradecer a casa que possuem, o emprego que mantêm, os filhos que tiveram e o conjugue que possuem? Poucos. Quem sabe: um em dez!
O crente na hora de amargura recorre à Providência e implora de peito a sangrar de aflição. Depois, uns fazem promessas, como os políticos - que não cumprem; - outros pagam-nas religiosamente, com cera, caminhadas de joelhos e privações, como se o Senhor folgasse com sacrifícios e posturas degradantes e não preferisse coração sincero e compassivo onde pudesse morar sem nódoa. - “Quero misericórdia e não sacrifícios” Os6:6. Saibamos reconhecer as benesses sejam de Deus ou dos homens e o nosso coração alegrar-se-á pelo dever cumprido.

O dia em que o Amor foi batizado...

por Gabriel Leal

Uma reflexão sobre o sentido do amor na encíclica Deus Caritas Est


Numa antiga basílica se encontrava uma velha pia batismal. Levaram então o amor para ser batizado. Sim, o amor. Ele chorava diante de tantos olhares curiosos. Com sua cabeça já submersa, pergunta o padre à assembléia: “E que nome lhe querem dar”? Esta não era uma pergunta retórica. Uma anciã trêmula se levanta a duras penas. Apoiada em seu cajado propõe: “Consolo! Deve se chamar Consolo.” E segue tossindo. Após uma prolongada pausa, levanta um jovem propondo: “Prazer. Assim se deve chamar.” Em seguida um empresário: “Fama!”, e logo uma dona de casa: “Respeito”. Muitos se atreveram a dar-lhe um novo nome, segundo seus interesses. O amor já quase se afogava. Finalmente, vendo que cada um gritava a própria mercadoria quase como sucede numa feira dominical, e que o amor é muito mais que tudo isso, o padre lhe suspende e diz: “Basta! Ele se chamará... AMOR!”

O fenômeno que acontecia naquela grande basílica é o retrato das deformações do amor em tantos âmbitos da nossa sociedade. O amor parece ter muitos nomes. E seguem querendo batizá-lo. Depois de tantas e tantas vezes maltratado ele já é quase irreconhecível, um maltrapilho. Mas qual é o autêntico rosto do amor? Acaso não morreu entre os cabos de televisão e internet, no coração de tantos jovens e famílias? Não arrugamos o rosto do amor? Qual é o seu verdadeiro nome?

Nas páginas da Encíclica Deus Caritas Est, Bento XVI vai delineando magistralmente o verdadeiro rosto do amor. Mostra primeiramente que não é um mero êxtase sensual e egocêntrico que arrasta a pessoa para fora de si em um arrebato quase divino. Não é aquela alegria suprema que ultrapassa os limites da razão. Não é o prazer descontrolado e egoísta que enclausura o homem nas trincheiras de seu ego. Não é puro eros (amor possessivo). De fato, “[...] o eros inebriante e descontrolado não é subida, «êxtase» até ao Divino, mas queda, degradação do homem. Fica assim claro que o eros necessita de disciplina, de purificação para dar ao homem, não o prazer de um instante, mas uma certa amostra do vértice da existência, daquela beatitude para que tende todo o nosso ser” (DCE I, 4).

O amor tampouco é aquele afã filantrópico descontrolado que faz com que a pessoa abondone a si mesma e seus compromissos. Não é a mera oblação pessoal mecânica que nega nossa necessidade vital de ser amados e correspondidos. Não é um ágape (amor de entrega, oblativo) desmedido. A experiência do amor humano maduro é bem diversa: é a síntese ordenada destas duas formas. “Na realidade, eros e agape — amor ascendente e amor descendente — nunca se deixam separar completamente um do outro. Quanto mais os dois encontrarem a justa unidade, embora em distintas dimensões, na única realidade do amor, tanto mais se realiza a verdadeira natureza do amor em geral. [...] à medida que se aproxima do outro, far-se-á cada vez menos perguntas sobre si próprio, procurará sempre mais a felicidade do outro, preocupar-se-á cada vez mais dele, doar-se-á e desejará « existir para » o outro. Assim se insere nele o momento da agape; caso contrário, o eros decai e perde mesmo a sua própria natureza” (DCE I, 7).

Amor é amar e ser amado, é doar-se e é também receber, é ágape e eros. Quando eros e ágape fazem as pazes e se harmonizam na pessoa, “[...] Agora o amor torna-se cuidado do outro e pelo outro. Já não se busca a si próprio, não busca a imersão no inebriamento da felicidade; procura, ao invés, o bem do amado: torna-se renúncia, está disposto ao sacrifício, antes procura-o” (DCE I, 6).

Não se pode viver só de eros. Um amor possessivo que busque somente receber não deve sequer ser chamado de «amor», mas de «egoísmo brutal». A pessoa se realiza buscando e oferecendo amor. Quando o oferecimento do amor é gratuito e sincero, somos amados também, em resposta. Que exemplo tão grande nos deram disso os primeiros cristãos e os santos: souberam tomar a iniciativa, amar, dar o passo, ceder, perdoar. Viviam segundo um amor autêntico, um amor de oferecimento de si e de aceitação. Amavam e eram amados.

A família e a sociedade muda quando triunfa esse amor sincero. São bem diversas quando o amor sintetiza doação e recebimento, oferecimento de si e aceitação do outro. São diversas quando o amor é menos egoísta, quando o amor é AMOR!

É verdade, parece que nos cabos de internet e na televisão flui mais o eros desmedido que o amor sincero. Mas não devemos cruzar os braços e deixar que batizem o amor com mil nomes desconhecidos. A renovação do amor deve começar desde o coração de cada cristão. Assim sentia o Santo Padre ao terminar sua primeira encíclica, Deus Caritas Est, com a frase: “Viver o amor e, deste modo, fazer entrar a luz de Deus no mundo [...]” (DCE II, 39).

Rebatizemos o amor em nossas vidas, não segundo nossos interesses pessoais, mas segundo o que ele realmente é. O amor sempre existirá. O que muda é como o vivemos.


Difamação Pura e Simples...

por Olavo de Carvalho

Qualquer fulano que escreva um livro contra a religião, armado tão-somente de algum prestígio acadêmico e de uma considerável ignorância do assunto, tem o aplauso garantido da grande mídia internacional. Uma vez assegurado o seu sucesso de livraria, os vexames escabrosos que o distinto venha a sofrer em debates com intelectuais crentes permanecem rigorosamente fora do noticiário, de modo que sua fama de iluminado demolidor do obscurantismo não é afetada no mais mínimo que seja pela comprovação da fraude que a gerou.

Não li o livro do matemático John Allen Paulos, Irreligion, mas a entrevista que o autor concedeu a Veja é uma tão persuasiva confissão de vigarice que já basta para tirar o ânimo de lê-lo. Professando impugnar “a religião como erro lógico”, Paulos comete no breve espaço de duas páginas erros lógicos monstruosos que nenhum lapso de transcrição pode explicar e que, vindo de tão sobranceira presunção de sabedoria, não têm como ser perdoados mediante alegação de inexperiência.

Desde logo, ele confessa atacar somente as crenças literalistas do fiel comum, ignorando metodicamente a tradição religiosa e as mais altas explicações dos teólogos e filósofos, mas desse ataque ele deduz a invalidade de toda a religião e não somente das ilusões populares que a cercam -- um non-sequitur monumental, tanto mais intolerável porque acompanhado da recomendação professoral de que as pessoas estudem matemática para aprender a conhecer a realidade. Quem sabe o que é matemática entende que a relação entre ela e a realidade é a coisa mais encrencada deste mundo e que uma rebuscada habilidade matemática é compatível com a total falta de senso de realidade – fenômeno que a própria entrevista ilustra.

Para piorar as coisas, quando o repórter lhe cobra uma explicação quanto aos grandes cientistas cristãos como Leibniz e Pascal, Paulos responde com duas mentiras e um sofisma clássico:

Primeiro, diz que o Deus de Leibniz e Pascal era peculiar e não seria reconhecido como Deus pelo crente comum. Isso é totalmente falso. O Deus desses filósofos era o da Bíblia, compreendido da maneira mais ortodoxa ao seu alcance, e apenas explicado num nível intelectual superior ao do crente vulgar, exatamente como acontece com o Deus de Sto. Tomás de Aquino ou do Papa Benedito XVI.

Segundo, afirma que a concepção de Deus desses filósofos consistia nas “leis impessoais do universo”, na “beleza do mundo natural”, o que, além de ser radicalmente contraditado pelos textos, resulta em atribuir a dois gênios da filosofia um chavão sentimentalóide de ateístas pequeno-burgueses. Leibniz e Pascal não eram Ernest Renan e Ludwig Büchner.

Terceiro, assegura que “o fato de um Leibniz ser religioso não prova nada a favor da religião”. É verdade, mas muito menos se prova algo contra a religião fugindo dos argumentos de Leibniz – ou, pior ainda, falsificando-os – e em seguida cantando vitória sobre Leibniz após uma discussão triunfante com caixeiros de loja e empregadinhas domésticas. E Paulos faz com Leibniz o que faz com toda a intelectualidade cristã superior: foge ao confronto com ela e vai brilhar ante uma platéia de ignorantes.

O repórter elogia-o por atacar a religião com bom-humor em vez da fúria de Richard Dawkins e Christopher Hitchens. Mas o que caracteriza esses dois não é a violência, e sim o propensão de arrogar-se autoridade em campos dos quais têm conhecimentos menos que rudimentares, bem como de só discutir com uma caricatura de religião propositadamente construída para simular a vitória do ateísmo. No primeiro ponto, Paulos é idêntico a eles. No segundo, é ainda mais perverso, pois confessa abertamente o que eles deixam implícito. Se a hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude, o cinismo é a afirmação ostensiva do vício como virtude.

Intelectualmente indefensável, o empreendimento dos três só faz sentido como obra de difamação deliberada, que deveria ser respondida não com debates acadêmicos, mas com processos judiciais.

Gerdau, P-SOL & Cia. Ilimitada...

por Heitor De Paola

É impressionante, mesmo para quem é do ramo, a pasmaceira que reina entre o que deveria ser a “direita” no Brasil. Em qualquer país do mundo a notícia que comentarei a seguir daria pano para manga, aqui nem para lencinho de limpar batom de madame.

Segundo despacho de 30/08 da repórter Sinara Sandri, da Agência Reuters, “Doação da Gerdau ao Psol abre debate ideológico na esquerda”, noticia-se que a Metalúrgica GERDAU doou R$ 100.000,00 à campanha da candidata do Psol, Luciana Genro à prefeitura de Porto Alegre. A doação, que representaria cerca de 15% de todo o orçamento da sua campanha, causou frisson entre as esquerdas, abrindo “uma batalha ideológica entre integrantes de partidos de esquerda”.

Segundo o despacho “a questão se transformou em disputa ideológica já que o financiamento de campanha é apontado como origem das práticas de corrupção e vem sendo criticado por políticos de esquerda. No caso de Luciana Genro, a doação já serve como combustível para seus adversários. ‘A Luciana era vista como alguém que não se entregava (aos interesses econômicos). Infelizmente, ela aceitou o financiamento da Gerdau’, disse Fernando Correa, assessor de imprensa do PSTU em Porto Alegre”.

Segundo o Psol, a Gerdau teria procurado a candidata para oferecer o financiamento, o que é contrariado pelo grupo empresarial que declarou à Reuters, por meio de nota, que “apoiou de forma igualitária” doando 100 mil aos “candidatos à Prefeitura de Porto Alegre que procuraram a empresa”.

Enquanto a esquerda debate se a doação – e sua aceitação - é ou não uma atitude ética, onde está a “direita”? Ah, a direita brasileira, cad’ela? Pelo andar da carruagem foi passear com a Conceição, aquela que, “se sumiu, ninguém sabe, ninguém viu!” Mas não é que a direita é representada exatamente pelo “Dr. Jorge”, como é carinhosamente chamado pelos seus pupilos ao dono do grupo, Jorge Gerdau Johannpeter?

A tal direita, em Porto Alegre e adjacências, é controlada com mão de ferro - e subsidiada - pelo “Dr. Jorge” através do IEE (Instituto de Estudos Empresariais) e do IL (Instituto Liberdade). Desde 1989 promovem anualmente um tal de “Fórum da Liberdade”, o “maior espaço de debate político, econômico e social da América Latina” que chamam de contraponto do Fórum Social Mundial. A agenda para o próximo, abrilde 2009, “Agora o Mercado é o Mundo” já está pronta. Nestes fóruns geralmente são convocados palestrantes direitistas do quilate de Frei Betto e Ciro Gomes, supostamente para debater com intelectuais ‘liberais’.

De há muito se conhece a história do financiamento das esquerdas pelos empresários. A doação dos banqueiros à campanha do Lula tornou-se pública e a razão para tal estão aos olhos de quem quiser ver: os banqueiros jamais ganharam tanto dinheiro quanto nos últimos seis anos – melhor seria dizer 14, pois FHC os beneficiou quase tanto quanto Lula, vide o vergonhoso PROER. Desde então, os bancos imperam soberanos, cobram o que querem dos correntistas.

Historicamente, nenhum movimento revolucionário conseguiu nada sem o financiamento do empresariado. No Capítulo XVI do livro O Eixo do Mal Latino-Americano (Uma aliança improvável... mas real) abordo este assunto, mas para maiores detalhes ver de Anthony C. Sutton, Wall Street and the Bolshevik Revolution (Buccaneer Bokks, NY) e The Wall Street and the Rise of Hitler (GSC Associates, San Pedro, CA).

Enquanto as esquerdas debatem se é ou não moral receber a doação, ninguém do outro lado contesta a moralidade da doação feita por “Dr. Jorge”. Ninguém se pergunta: qual o interesse do Grupo Gerdau em doar dinheiro para um partido que tem em seu programa a destruição do capitalismo e da livre empresa? Ninguém pergunta por que exatamente para a filha do Ministro da Justiça de um governo com o qual o Grupo tem milionárias parcerias. Uma amiga e correspondente comentou comigo: “Imoral não é o P-SOL aceitar, mas a Gerdau oferecer (ou aceitar doar)”.

Além do aspecto moral existe aqui a hipocrisia de se travestir de paladino da liberdade. Não creio que empresários deste tipo estejam comprando a corda com que serão enforcados, como dizia Lenin: estão comprando a corda com que seremos nós os enforcados, tal qual Armand Hammer, que morreu de velho freqüentando os círculos do poder de Washington enquanto seu amigo e aliado Lenin – e seus descendentes diretos – trucidaram dezenas de milhões.

Guetos...

O que tenho percebido é que um posicionamento teológico tenha o poder de formar um gueto. Isso quando o teólogo se deixa levar pelo impulso de que a sua teologia seja a melhor.

Falo da minha própria plataforma teológica. Quantos teólogos reformados vivem num gueto. Não conseguem se comunicar com outras pessoas. Não sabem dialogar com outros pensamentos. Criaram províncias teológicas e não permitem que ninguém entre nesta área.

O problema do gueto é que ele nos faz pensar que somos únicos. Tudo que esteja ao nosso redor não presta. É um grupo de pessoas que tentam destruir a mais bela e pura forma de se fazer teologia.

Um outro problema do gueto é que ele produz a paralisia do crescimento teológico. Se dentro deste contexto o teólogo domina toda a sua área, ele não se preocupa em crescer por uma razão simples – todos no gueto pensam igual. Isso mostra que a diferença teológica cria a necessidade de buscar mais informações e o aperfeiçoamento do crescimento teológico. A força do gueto destrói a amplitude do saber teológico. Encontramos esta posição na teologia católica, reformada, liberal e da libertação. Cada um vive num mundinho sem possibilidade de olhar para o horizonte. E poder dizer sem medo algum que existe outra maneira de pensar e de se fazer teologia. Por exemplo, quando um reformado utiliza o discurso da Teologia da Libertação, ele é taxado como liberal. Sendo que este discurso de alcançar o necessitado e o desvalido está presente na própria Teologia Reformada. A razão disto são os guetos. Quando um discurso é pronunciado o primeiro passo é dizer – de onde ele está falando. Isto reduz de certa forma os links que são possíveis com outras correntes teológicas e filosóficas. Será mesmo que eu só posso falar de um único lugar?

O gueto foi a pior arma que os teólogos criaram para se fundamentarem em seus fundamentalismos que não geram vidas. É necessário que se abra uma rua nesses guetos para entrar em outros e assim sucessivamente.

sábado, 6 de setembro de 2008

Poema: “Quem sou eu?”

Quem sou eu?


Quem sou eu? Seguidamente me dizem

que deixo a minha cela

sereno, alegre e firme

qual dono que sai de seu castelo.


Quem sou eu? Seguidamente me dizem

que falo como os que me guardam

livre amável e com clareza

como se fosse eu a mandar.


Quem sou eu? Também me dizem

que suporto os dias do infortúnio

impassível, sorridente e altivo

como alguém acostumado a vencer.


Sou mesmo o que os outros dizem a meu respeito?

Ou sou apenas o que sei a respeito de mim mesmo?

Inquieto, saudoso, doente, como um pássaro na gaiola,

respirando com dificuldade, como se me apartassem a garganta,

faminto de cores, de flores, do canto dos pássaros,

sedento de palavras boas, de proximidade humana,

tremendo de ira por causa da arbitrariedade e ofensa mesquinha,

irrequieto à espera de grandes coisas,

sm angustia impotente pela sorte de amigos distantes,

cansado e vazio até para orar, para pensar, para criar,

desanimado e pronto para me despedir de tudo?


Quem sou eu? Este ou aquele?

Sou hoje este e amanhã um outro?

Sou ambos ao mesmo tempo? Diante das pessoas um hipócrita?

E diante de mim mesmo um covarde queixoso e desprezível?

Ou aquilo que ainda há em mim será como um exército derrotado,

que foge desordenado à vista da vitória já obtida?


Quem sou eu? O solitário perguntar zomba de mim.

Quem quer que eu seja, ó Deus, tu me conheces,

sou teu.


(Dietrich Bonhoeffer)

O eterno retorno...

Deus, a ti clamo de manhã bem cedo

ajuda-me a orar e concentrar meus pensamentos;

não consigo fazer isso sozinho”.

(Dietrich Bonhoeffer)

Por favor, não entendam isto sob perspectiva da filosofia budista. Muito menos sob o pensamento da reencarnação. Também não é uma apologética sobre a história cíclica.

O eterno retorno é algo que fascina. Toca exatamente no cerne do ser humano. Principalmente quando isto está relacionado com Deus.

O que quer dizer “eterno retorno?” É a possibilidade de ir e vir a Deus. Ou seja, você está com Deus e ao mesmo tempo não está. Espera aí, estar com Deus e ao mesmo não estar? Sim! Não é a perda da salvação. Mas o seu relacionamento com Deus. A sua compreensão sobre Deus.

A dinâmica de Deus é algo extraordinário. Ele não viola o seu espaço. Diante das suas crises, Deus não o trata como um infantil. Independentemente se Deus tem toda a certeza, o ser humano não tem. É exatamente neste campo que é possível conhecer Deus. Você não o conhece a partir de certezas, mas a partir das dúvidas. Não foi assim com os profetas? Não foi assim com servo Jó? E o que dizer dos apóstolos.

Lutero viveu uma profunda crise e disse: “Deus ficou distante para mim por mais de semanas, então, fui tomado pelo desespero e blasfemei. Será que Lutero pecou? Claro que não. Nesta busca de querer respostas e certezas, isso o leva Deus e ao mesmo tempo o afasta de Deus. É por isso, que Deus é atrativo e a fonte de satisfação. Por que quando você está longe Dele você passa a entender que não há sentido estar distante da razão da vida. A semelhança do imã o ser humano é atraído até a sua presença. Há um refrigério neste momento. Deus respeita as nossas limitações. Ele espera o tempo da calmaria do coração do homem. Ele também dá ordem caos do coração do homem.

É preciso entender que o ser humano pode estar longe de Deus, mas Deus não está longe do ser humano. A tendência é que quando o homem sofre pelas incertezas ele pensa que Deus esteja longe. Embora, a sua presença não se torne tanto notória – Ele está ao lado.

O eterno retorno é exatamente isto, na falta de sentido, de solo para pisar e de luz para guiar, o homem é despertado para ir a fonte que preencherá o seu vazio. Pascal já disse com muita propriedade sobre isto.

Disse muito bem Bonhoeffer: Será que jamais houve na história pessoa que, no presente, tiveram tão pouco chão debaixo dos pés – para as quais todas as alternativas possíveis do presente pareciam igualmente insuportáveis, hostis à vida, sem sentido algum – como nós? De fato, as pessoas vão a Deus na necessidade delas. As pessoas vão a Deus na necessidade dele. Bonhoeffer então faz a seguinte oração:

Dentro de mim está escuro, mas em ti há luz

eu estou só, mas tu não me abandonas

eu estou desanimado, mas em ti há auxílio

eu estou inquieto, mas em ti há paz

em mim há amargura, mas em ti há paciência

não entendo os teus caminhos, mas tu conheces o caminho certo para mim.

Graças a Deus que todas as vezes que o ser humano se afasta Dele, este mesmo ser humano encontra o caminho livre para retornar.

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

A tarefa dupla da igreja...

John Stott disse com muita propriedade:

"A vocação da igreja é ocupar-se com Deus e com o mundo. Deus constituiu sua igreja para ser uma comunidade de adoração e de testemunho".

Cuidado com os seus filhos...

Um site muito “interessante”. Uso a palavra interessante para descrever não só o conteúdo, mas a audácia da esquerda. O governo não perde tempo. Tentou inserir nas cartilhas de história o pensamento comunista como a solução da humanidade. Distorceu a imagem dos cruéis homens ditatoriais da história humana. Eles eram considerados os salvadores da pátria. Agora o governo cria um site infantil. O objetivo é doutrinar as crianças para levantarem a bandeira comunista. E quem tem incentivado as crianças para acessarem o site são os professores. Isso não está presente somente em escola pública. As escolas particulares na sua grande maioria são adeptas da seita comunista. Expressão usada pelo grande Paul Johnson. Enquanto que os pais no Brasil não podem educar os seus filhos em casa, os professores assumem a função e se tornam os formadores de “opinião” para os seus filhos. E ditam o que é bom para os seus filhos pensarem e idealizarem. Cuidado pais! Os seus filhos correm perigo. O texto abaixo estava presente no site “Plenarinho”. Site do governo. Ele foi removido. Recebeu muitas críticas. Os autores do site demonstraram a covardia e a falta de assumir o que pensam. O grande problema é que eles não sabem porque pensam o que pensam. Segue em vermelho o texto que foi retirado do site:

“Já pensou em viver num país onde todos tenham tudo de forma igual? Esse é o objetivo do comunismo, um sistema de organização política e econômica que surgiu como oposição ao capitalismo. Não é lindo? Não é o sonho de todo o ser humano? Todos teremos tudo de forma igual!”

E continua:

“O comunismo acredita que nenhum homem deve servir a outro homem. Por isso, eles pregam o fim do estado. A sociedade funcionaria baseada na solidariedade e na igualdade, sem divisão entre ricos ou pobres. As pessoas seriam mais conscientes e não precisariam de alguém para dizer o que fazer.
Para chegar a essa condição, o comunismo deve passar primeiro por um estágio chamado socialismo, em que existe uma ditadura que irá organizar a distribuição dos bens, deixando todos nas mesmas condições. Depois, a ditadura deve se desfazer e, como vimos, a sociedade funcionaria sozinha”.

Algumas questões:

  1. Não ter que servir a outrem;
  2. Solidariedade;
  3. Um País sem “pobres”!
  4. E já justificam, previamente, a necessidade de uma ditadura para organizar e distribuir os bens, antes da implantação do comunismo.

Imagem é tudo...

McCain não é bobo. A mulher que tem a chance de ganhar quase todos os votos femininos, é a vice de McCain. No seu discurso ela conta com a bondade da filha.


quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Qual é a diferença entre o protestante e o católico?

A igreja protestante tenta de todas as formas criar um divisionismo com a igreja católica. Nem o próprio Lutero rompeu com a igreja católica. Ele criticou a autoridade papal e a influência dos príncipes nas decisões doutrinárias, mas precisou da ajuda de um príncipe para ter a sua vida intacta.

Os protestantes têm uma mania de demonizar tudo que é católico. Esquecem que os grandes teólogos foram católicos. Os protestantes dependem e muito da teologia católica.

No processo de imigração os protestantes menosprezaram a cultura porque estava influenciada pelo catolicismo. Criaram uma imensa competição – qual doutrina é mais pura? Quando os católicos chegaram no Brasil, para eles toda cultura que já existia era pecaminosa. Principalmente a indígena. Quando os protestantes chegam no Brasil, o que eles fazem? A mesma coisa que os católicos fizeram. Só que a transformação é maior. Eles precisaram mudar a religiosidade, a cultura e o pensamento social. Isto quer dizer que os índios, os negros e os católicos receberam esta ação. Neste sentido a semelhança é idêntica. Os dois lados cometeram um etnocentrismo.

Em outro sentido, podemos ver uma semelhança abissal na relação pastor e padre. O padre recebe as pessoas no confessionário. Ele exerce um certo poder sobre a penalidade e a absolvição da ovelha. Dependendo do pecado ela tem uma certa disciplina. O padre é o porta-voz de Deus. Ele é a pessoa que sabe o que outro deve ou não fazer. Ele é o sacerdote de Deus. Mas e o pastor? O que é o gabinete pastoral, se não um confessionário. É o pastor que tem todas as respostas. É o pastor que dita a vida devocional das ovelhas. É o pastor que sabe o que é o melhor para o aconselhado. Ele se torna um oráculo. Ele não ensina a maturidade, ele ensina a dependência das pessoas para com ele. O sacerdócio universal passa longe da teologia de muitos pastores. Se o padre tem a posição de sacerdote para a igreja católica, o pastor também exerce o mesmo símbolo e posição. Mas a diferença entre os dois está no fato da exposição. O padre não expõe o pecador em público. Mas o pastor para mostrar uma suposta disciplina e produzir o medo, ele expõe o pecador em público. Ele realiza o mesmo papel que o diabo faz quando expõe uma pessoa.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Recomendação...

Está em estágio de iniciação, mas já tem coisa boa. Foi inaugurada ontem, mas já mostra que será bem visitada. Demorou, mas foi ao ar, quer dizer, para a rede ou net.

Falo do site da igreja que tenho a honra de participar, e melhor, da igreja que desenvolvo o meu trabalho como servo de Deus.

Ontem a Igreja Batista Betel de Mesquita completou seus quarenta e seis anos de idade. Ainda é nova. Uma igreja que ama pastor. Até hoje ela teve somente três pastores. Para a realidade atual, isso é incomum.

Acessem a página. Como disse, está em fase de aprimoramento. O endereço é: www.beteldemesquita.com

A Reforma Luterana como despertamento...

Quando nossos livros de história descrevem acontecimentos passados, eles procuram estabelecer uma conexão de causa e efeito entre os fatos. Muitos autores modernos seguem o modelo de interpretação proposto pelo filósofo alemão Hegel. Ele entendia o mover da história como a sucessão de tese, antítese e síntese. Em sua visão, o consenso alcançado na síntese de um processo histórico é o ponto de partida de um novo conflito. Mais cedo ou mais tarde, uma configuração histórica gera forças que lhe fazem oposição até se acomodarem em uma nova síntese. Assim, a espiral da história humana se repete em constantes revoluções e, lentamente, se move pelo tempo. Por meio de tais encadeamentos dos fatos, o historiador tenta compreender e interpretar o passado.

Neste ponto importa lembrar que, como cristãos, ousamos divergir da leitura histórica à nossa volta. Das Sagradas Escrituras aprendemos a perceber a mão divina a guiar o desenrolar dos fatos, ainda que ela nem sempre seja plenamente perceptível. Todavia, o povo de Deus sempre ousou ler sinais da intervenção divina em nossa história. Israel, um povinho à margem da história, aprendeu a ver a mão forte do Senhor quando foi resgatado da escravidão no Egito. O punhado de discípulos também percebeu a mão divina quando da majestosa ressurreição de Jesus. Por isso a historiografia bíblica é tão diferente das crônicas do seu tempo. Ela não conta a história dos grandes, mas a dos pequeninos. Fala de andarilhos e peregrinos guiados por Deus em uma história com rumo e destino — a história da salvação.

Nessa perspectiva, não precisamos negar os condicionamentos históricos que influíram nos acontecimentos que o povo de Deus viveu. Mas ousamos afirmar que condicionamentos passados e a lei de causa e efeito não bastam para explicar o processo histórico. Este não é o resultado da mera evolução dos fatos históricos precedentes. Assim, cremos que a história do nosso mundo é primordialmente condicionada pelo futuro que Deus, em sua graça e bondade, lhe quer conceder.

É nesta perspectiva que convido você, caro leitor, a olhar para a Reforma Luterana. Sem querer menosprezar o estudo pormenorizado da conjuntura da época, aventuro-me a ver nela uma visível manifestação da intervenção de Deus na história. Nela, antes de mais nada, o Senhor corrige e reorienta o rumo da caminhada do seu povo, da cristandade.

Ao iniciar-se a Reforma do Século XVI, ao final da Idade Média, o cenário europeu era marcado pela implementação do comércio, que fortaleceu as cidades e a burguesia. Os camponeses estavam profundamente insatisfeitos com a condição de semi-escravatura à qual estavam sujeitos há séculos. Os investimentos ousados na navegação transcontinental sinalizavam a emergência dos estados nacionais. E, nas universidades, o humanismo renascentista gerava espaço para um pensamento independente da dominação eclesiástica. Inserida de maneira multiforme neste ambiente, a Igreja Ocidental, sob o comando de papado romano, vivia um momento de opulência decadente. Para poder erguer as magníficas edificações que adornam o Vaticano, os papas da época viviam mais preocupados com o levantamento de fundos do que com a vida espiritual da igreja. Assim, o cenário histórico do início do século XVI assemelhava-se a tambor de combustível. Bastaria uma faísca para provocar uma explosão.

Foi o que aconteceu na remota cidadezinha de Wittemberg, na Alemanha. Em 31 de outubro de 1517, na minúscula universidade, um professor da Bíblia, o monge Martinho Lutero, afixou na porta da Igreja do Castelo uma folha com teses para um debate. Tratava-se de um expediente acadêmico da época, cujo processo de formação rotineiramente incluía debates públicos. Mas as 95 teses do Debate para o Esclarecimento do Valor das Indulgências não ficaram restritas a isto. Multiplicadas aos milhares pela imprensa recém-aperfeiçoada por Gutemberg, elas foram divulgadas por toda a Europa em poucas semanas, inclusive na distante Espanha. Quem ficou mais abismado com esta repercussão foi o próprio monge Lutero. Anos mais tarde ele diria que, se soubesse em que Deus o estava envolvendo, jamais teria ousado vir a público com sua opinião.

Em seu tratado contra a prática das indulgências, Lutero expôs o que Deus lhe ensinara nos anos anteriores. Em meio a muitas angústias e tormentos, ele tornara-se um aprendiz das Sagradas Escrituras. Ainda que somente três anos mais tarde, em 1520, o reformador escreveria seus livros mais conhecidos (Da Liberdade Cristã, Do Cativeiro Babilônico da Igreja e À Nobreza Cristã), suas 95 teses já delineavam claramente a redescoberta do evangelho com que Deus o agraciara: “Jesus Cristo é o cabeça da igreja a quem os cristãos devem seguir com alegria através de punição, morte e inferno” (tese 94). Por meio dele recebemos “o verdadeiro tesouro da igreja, o santíssimo evangelho da glória e da graça de Deus” (tese 62). Por meio da fé neste evangelho da graça “qualquer cristão que em verdade experimentou arrependimento tem direito à remissão total de punição e culpa” (tese 36).

A mensagem da justificação do pecador por Cristo somente, isto é somente pela graça, somente pela fé e somente amparada pelo testemunho da Escritura correu a Alemanha e a Europa. Ela tirou a fé e a vida cristã do domínio eclesiástico. O clero e os conventos deixaram de ser o ideal de vivência da fé.

A vida cotidiana no lar e na sociedade se tornariam lugar de adoração e vivência cristã, lugar de ministério do sacerdócio geral de todos os crentes. Os escritos e sermões de Lutero, apesar de proibidos e excomungados, eram lidos em segredo até em conventos. Despertadas e animadas pelo poder do evangelho em toda parte da Europa, pessoas, comunidades, cidades e até regiões inteiras atreviam-se a sair do cativeiro babilônico da igreja e a ensaiar passos da liberdade cristã.

Isto não quer dizer que a Reforma Luterana foi um mar de rosas nem que Martinho Lutero foi um servo de Deus sem pecado. Do parâmetro bíblico, sabemos que as pessoas que Deus usou para intervir na história, até mesmo o “homem segundo o coração de Deus” (o rei Davi), eram falíveis e carentes da graça. Da mesma maneira, a misericordiosa intervenção de Deus na história pela Reforma Luterana é acompanhada pela sombra da fragilidade humana, que se evidenciou, por exemplo, na Guerra dos Camponeses (1524-1525). Nela o conflito teológico com a ala radical da Reforma veio a mesclar-se com as crueldades desta guerra sangrenta, praticadas tanto pelos exércitos da nobreza como pelas hordas camponesas.

Mais tarde, os evangélicos enfrentaram corajosamente o imperador Carlos V na reunião do parlamento das nações alemãs com a Confissão de Augsburgo (1530). Ainda assim a aliança de príncipes evangélicos foi derrotada, anos mais tarde, pelo rei da Espanha. Como sinal de seu triunfo, ele cavalgou para dentro da igreja de Wittemberg. Seguiu-se um século de conflitos, guerras e perseguições até que, na Paz da Westfália, os evangélicos asseguraram o seu direito de culto no império alemão.

Se a Reforma Luterana fosse obra humana, certamente ela teria sucumbido. Se a palavra de Lutero tivesse sido palavra sua, ela teria caído em esquecimento. Mas este movimento de reforma não foi obra humana. Não resultou dos condicionamentos históricos da época. Foi, isto sim, um despertamento que Deus gerou para reconduzir os seus amados à sua graça inefável. Como interpretação fiel do testemunho das Sagradas Escrituras, o falar do seu servo Lutero continua chegando a nós. Disso o seu cântico vigoroso que ecoa pelas igrejas evangélicas de todo o mundo dá testemunho:

Deus é castelo forte e bom, defesa e armamento;

Assiste-nos com sua mão, na dor e no tormento.

O rei infernal das trevas, do mal, com todo o poder

e astúcia quer vencer: igual não há na terra.

A minha força nada faz, sozinho estou perdido.

Um homem a vitória traz, por Deus foi escolhido.

Quem trouxe esta luz? Foi Cristo Jesus, o eterno Senhor,

outro não tem vigor; triunfará na luta.


Martin Weingaertner, casado, cinco filhos, é pastor luterano e capelão no Tribunal de Justiça do Paraná, autor de comentários bíblicos sobre 1 e 2 Timóteo e Tito, da série Em Diálogo com a Bíblia, e editor do devocionário Orando em Família, da Encontro Publicações e União Cristã