segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Professor do Programa de Ciências da Religião fala sobre a nova configuração religiosa brasileira, divulgada pelo IBGE...

Em entrevista ao site do Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo o sociólogo Paulo Barrera, professor do Programa em Ciências da Religião da Universidade Metodista e pesquisador do cenário religioso brasileiro, fala sobre os dados censitários mais recentes divulgados pelo IBGE. Leia a seguir:


Andar com fé

Por Elisa Marconi e Francisco Bicudo

02/09/2011


A edição 2008-2009 da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgada há dez dias, traz informações socioeconômicas importantes e que chamam a atenção quando o assunto é especificamente a religiosidade dos brasileiros. Destacam-se à primeira vista, por exemplo, as mudanças de opções religiosas (fiéis que migram para outras crenças ou até mesmo para religião nenhuma). Ainda segundo o trabalho, pela primeira vez desde que levantamentos dessa natureza tiveram início, os católicos representam menos de 70% da população do Brasil (são cerca de 68%).

Outro número que merece um olhar mais atento está relacionado ao crescimento dos evangélicos (tradicionais e neopentecostais) e à ampliação do grupo que se intitula sem religião. Também recentemente, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) anunciou o novo “Mapa das Religiões no Brasil”, estudo coordenado pelo economista Marcelo Neri, professor da instituição. Os dados revelados pela pesquisa se assemelham em vários pontos ao que foi constatado pelo IBGE. Os dois levantamentos foram matérias de revistas semanais e chegaram às manchetes dos principais jornais do país, reforçando que o assunto religião segue como um importante tema da agenda pública de discussões nacionais.

Entrevistado com exclusividade pelo SINPRO-SP, o sociólogo Dario Rivera, professor da pós-graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), defende logo de início que, embora os números da POF e do mapa da FGV sejam significativos, eles não representam exatamente grandes novidades. “A diminuição suave no número de católicos, o aumento discreto na quantidade de pentecostais, e o fortalecimento do grupo dos sem-religião já eram tendências detectadas no Censo de 2000 e na POF de 2003”. Na verdade, ainda de acordo com Rivera, as informações divulgadas são muito recentes, de forma que não é possível traçar diagnósticos mais aprofundados a respeito dessa migração. “A bem da verdade, é pouca gente mudando de um grupo para outro”, reforça.

“Experimentação religiosa”

Talvez mais importante que a chamada “experimentação religiosa” – quando um fiel vai beber na fonte de outras religiões e, eventualmente, acaba ficando na nova igreja – seja a compreensão dos significados da secularização. A palavra remete à perda de importância paulatina que a religião, ou as crenças e valores religiosos, têm na vida das pessoas. Ou, em outras palavras, crer num deus e acompanhar a instituição que se organiza em torno dessa entidade vem deixando de ser um fator que pesa no momento de tomar decisões, escolher caminhos, experimentar novas possibilidades. “Esse não é um fenômeno brasileiro, é mundial e reflete o tempo em que vivemos, a sociedade que somos, que dá menos valor às determinações religiosas”.

Agora, se a migração entre religiões é um fato – as pesquisas sugerem e o sociólogo da religião reconhece isso – a pergunta que se deve fazer é: por que tal movimentação acontece e como esse trânsito afeta a vida do país? A imprensa tende fortemente a atribuir essa migração à situação socioeconômica dos fieis. Grosso modo, essa narrativa defende que, quando as condições de vida vão bem, as pessoas buscam religiões – ou alas – mais liberais, menos radicais. Quando as coisas não vão muito bem, com crise econômica, falta de emprego, orçamentos apertados, a tendência é que os fiéis caminhem ao encontro daquelas igrejas que prometem resolver todas as mazelas terrenas, fortalecendo vínculos entre o crente e a entidade. Isso ajudaria a explicar o aumento dos frequentadores dos templos neopentecostais, como a Assembleia de Deus e a Igreja Universal do Reino de Deus, nos anos 1990, período de pequenino crescimento econômico – mais uma “década perdida”.

Esse argumento também explicaria o retorno à antiga igreja por parte de alguns fieis, que as pesquisas agora detectaram. “As análises que li sugerem que economia mais estável e melhores condições de vida estariam deixando os religiosos menos preocupados e, portanto, poderiam voltar às suas igrejas de origem, em geral, mais tradicionais e menos míticas”, comenta Rivera. Realmente os dados computados permitem essa interpretação, mas é aí que, avisa o professor, entra a tal análise em profundidade, para além dos números, que reflete sobre o que a estatística não pode medir. “Se o fiel mudou nos últimos 20 anos, a igreja também mudou, até para trazer de volta seu ex-fiel. Os cultos ficaram mais lúdicos, mais mágicos, mesmo nas igrejas evangélicas mais tradicionais e isso atende aos desejos do público”, completa o docente da Universidade Metodista.

Em direção ao conservadorismo?

Seria então tal movimento um reflexo de uma guinada em direção ao conservadorismo que se tem observado? A sociedade estava sentindo falta desse discurso mais antiquado e encontrou isso nas novas alas e formas de manifestação da religião? Rivera destrincha lentamente as questões. Primeiro, ele reconhece que a onda de conservadorismo existe mesmo, mas, para o pesquisador, não representa a maior parte dos fieis ou dos líderes religiosos. Depois, o trânsito entre religiões para encontrar essas proposições mais antigas se deve também a questões endógenas. Ou seja, à propaganda que as igrejas fazem, à concorrência entre as igrejas, às novidades nas liturgias e ao atendimento mais rápido das necessidades apresentadas pelos fieis. E, segundo o sociólogo da religião, essas palavras agradam a uma parcela da população. Mas existem ainda outras questões externas ao universo das igrejas. Rivera lembra que a imprensa escolhe suas pautas e agenda, e a religião, ou as religiões, sempre voltam à cena, são assuntos frequentes. O que, nesse grande cenário, será identificado, divulgado e até inflado midiaticamente é parte de uma estratégia maior, que vai da vontade de vender mais jornais até a necessidade de estar afinado com o discurso de alguns grupos de poder.

O pesquisador continua seu raciocínio e diz que, de tanto acompanhar na imprensa que o conservadorismo vem crescendo, ganhando espaço, que o catolicismo está em decadência (com exceção das alas mais conservadoras), que novos líderes tão radicais quanto reacionários estão em evidência, a sociedade realmente acredita e passa a levar o assunto mais a sério que deveria. A imprensa no Brasil e na América Latina (o professor é peruano e conhece essa realidade nos países vizinhos) faz muita força para não dar voz aos atores que defendem a relativização dos valores religiosos. Por isso a informação destacada nas pesquisas é a queda dos católicos e não o aumento dos sem-religião, que já vinha se apresentando desde 2000, no Censo. Mais: a mídia latino-americana defende que o mundo precisa urgentemente resgatar alguns valores do passado, que estão em falta na sociedade e garantiriam um mundo mais organizado. Ele reforça: não é que a onda conservadora não exista ou não mereça atenção, “mas ela não é hegemônica, como se pinta. Amplificar o valor dos conservadores atende a interesses da imprensa, mas há outros movimentos crescendo e se destacando”, garante Rivera.

O sociólogo lembra da Jornada da Juventude, um mega-evento realizado pela Igreja Católica que, este ano, aconteceu em Madri, na Espanha. O discurso do papa Bento XVI diante dos dois milhões de jovens participantes foi bem duro e bem forte no sentido do conservadorismo. Por outro lado, “também acontecia o que podemos chamar de lado B da Jornada, que era a farra que os jovens promoviam nos acampamentos; e ainda o perdão coletivo às mulheres que abortaram, atitude impensável no âmbito do Catolicismo há dez anos”. Além disso, a não observância às determinações da igreja continua aumentando: o número de divórcios cresce, os casamentos religiosos diminuem, a opção pelo não planejamento familiar é muitas vezes ignorada, cada vez mais países permitem o aborto e o casamento entre homossexuais. Trocando em miúdos: na opinião do professor, portanto, embora as religiões tentem e a mídia encampe, “o conservadorismo não tem sido eficaz como se prega”.

Ainda sustentando essa discussão, as pesquisas oferecem informações importantes a respeito de posturas e escolhas dos jovens. Por um lado, foi entre os brasileiros de 10 a 19 anos que cresceu mais a opção “evangélico não praticante” ou “sem religião” (pessoas que crêem, mas não se vinculam a igreja alguma); por outro lado, um grupo importante de jovens vem optando pela castidade e por seguir os preceitos religiosos à risca. Rivera aponta um paradoxo aqui que, mais uma vez, apenas os levantamentos estatísticos não podem observar com precisão. “Esse menino ou essa menina que usa a camiseta ‘100% virgem’, em contraposição, ou resposta, àqueles que envergam a estampa ‘100% negro’, o faz por escolha. Por uma opção livre e não porque o pai, ou a mãe, ou a igreja assim ordenou”, provoca.

Rivera concorda plenamente com a afirmação feita pelo filósofo Vladimir Safatle também em entrevista recentemente publicada pelo site do SINPRO (“estamos vivendo um tempo em que se costuma atribuir à falta de valores morais as razões de certas situações que, na realidade, têm origem socioeconômica”). E completa a reflexão propondo que, idealmente, a mídia deveria se pautar não pelos valores religiosos, como se eles fossem parte da solução dos problemas do mundo, mas pelos “valores humanos, que podem até se afinar com princípios religiosos, mas sem que essa associação seja obrigatória ou automática. Matar um semelhante é um valor humano. A religião pode até abraçar essa premissa, mas ela é, por princípio, um valor humano, laico”.

O que fica evidente na fala do pesquisador é que as religiões não são senhoras do monopólio da moralidade. E a pergunta que deveria então nortear quem estuda religião, quem estuda sociedade e quem divulga as pesquisas que tocam essas duas esferas seria: a quem interessa não dissociar valores religiosos dos valores humanos? Segundo o professor da Universidade Metodista de São Paulo, quando a gente puder discutir isso abertamente, o receio de um conservadorismo pré-moderno e ou de uma sociedade sem valores entrará em viés de baixa.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Irmãos Vivendo em União (Salmo 133)

John Stott

A união do povo de Deus sempre foi Sua vontade, bem como objeto de seu desejo. Se este salmo é pós-exílico, ele pode expressar a alegria e solidariedade dos peregrinos reu-nidos para adoração em Jerusalém, com a separação do reino dividido finalmente curada.

O povo da aliança de Deus já é composto de irmãos; mas é bom e agradável se, além do seu relacionamento fraternal, eles viverem unidos (v.1). O prazer da união é agora ilustrado vividamente. Ele é como o óleo precioso o qual desce para a barba, a barba de Arão (de sua cabeça sobre a qual foi derramado) e desce para a gola de suas vestes, e como o orvalho do Hermom, uma expressão de orvalho abundante (v.2,3).

Nós não sabemos porque a união do povo de Deus é como o óleo precioso de Arão e o orvalho abundante de Hermom. Alguns escritores enfatizam que ambos descem, e que seu significado é a influência total do verdadeiro acordo fraternal, santificando todo o corpo. Ao mesmo tempo, já que o óleo aromático seria usado e o orvalho era essencial para a fertilidade da Palestina árida, essas comparações são certamente usadas também para ensinar que a união é tão cheirosa quanto o óleo e tão refrescante quanto o orvalho de Jerusalém. É ali que Jeová ordena a sua bênção, e a vida para sempre (v.3).

Miserável homem que sou...

Ricardo Barbosa


Recentemente, num retiro de nossa igreja, estava ouvindo o conselheiro Werner Haeuser, nosso convidado para aquele encontro, que naquela manhã trazia uma meditação sobre Elias e a grande crise pessoal que viveu depois de ter experimentado uma extraordinária vitória. A meditação de Werner enfocava o problema da vitimação, desta tendência comum do ser humano de fazer-se vítima, de sentir-se acuado pelo mundo, de achar que é o único que sofre, que todos estão conspirando contra ele.

No meio de sua fala, o conselheiro trouxe uma afirmação que me fez perder um pouco a concentração do seu discurso e ater-me mais a esta frase. Disse ele: "O crescimento pessoal começa quando o culpar o outro termina". Comecei a me lembrar das inúmeras justificativas que tenho criado para me justificar dos meus erros e absolver a mim mesmo das minhas responsabilidades. Lembrei das incontáveis vezes em que culpei o governo para justificar da minha apatia social; das muitas vezes que culpei minha esposa e filhos para me absolver do meu egoísmo e insensiblidade e das vezes que culpei irmãos e irmãs para me poupar do incômodo de reconhecer minha incapacidade de amar e perdoar.

Todas as vezes que fiz isso, perdi a oportunidade de crescer, amadurecer e dar um passo a mais na formação do meu caráter. Era apenas mais uma vítima dos erros e pecados dos outros. É uma fórmula comum, bastante usada e que tem lá a sua eficiência. Mas esconde um grande perigo: A paralisia moral.

O que está em questão não é esconder a realidade nem fechar os olhos para os problemas políticos, sociais, familiares ou eclesiásticos. O que se propõe é a necessidade de olharmos com mais coragem e honestidade para nós mesmos, de sermos capazes de assumir os próprios erros e enfrentarmos o pecado com humildade e transparência. É aqui que começamos a dar os primeiros passos em direção a uma maturidade saudável.

O apóstolo Paulo foi uma destas pessoas que resistiu à tentação da vitimação ao afirmar: "Miserável homem que sou." Ele não culpa os outros pela sua incapacidade de não fazer o bem que sabe que deveria fazer. Ele sabe o que é certo, consegue discernir o bem do mal, sabe o que é melhor para ele e os outros, mas mesmo assim, nem sempre consegue optar por aquilo que é verdadeiro, justo e bom. No entanto, mesmo vivendo este dilema, ele não coloca a culpa dos seus erros e pecados no governo, na igreja, na família ou nos outros. Corajosamente - e responsavelmente -, olha para si e reconhece que o problema está nele, no seu pecado, na sua desobediência. Esta postura abre as portas para um processo de crescimento e transformação.

Ao fazer tal afirmação, Paulo não se torna vítima, mas protagonista. A responsabilidade é dele, não dos outros. Esta é a diferença. Paulo não responsabiliza os outros pelas escolhas erradas que fez, pelas oportunidades que deixou escapar, pela formação que deixou de obter, pela influência nociva que sofreu. O cenário principal do seu conflito não era externo, mas interno. A luta entre fazer o bem que conhecia e desejava e se deixar levar pelo mal que não desejava era uma luta da sua alma e Paulo a enfrentou com honestidade e coragem.

Conheço muitas pessoas que gostariam de ver menos televisão e dedicar-se mais à leitura, meditação e oração, mas não conseguem; de trabalhar menos e dispor de mais tempo para a família, amigos e lazer, mas sempre sobra mais trabalho do que tempo; de convidar mais os amigos para sair ou jantar em casa, conversar, mas sempre surge algo mais importante e inadiável para fazer. Sabemos que há mais prazer em cultivar relacionamentos honestos e verdadeiros, em conversar antes de julgar, ouvir antes de falar, servir antes de ser servido, ajudar ao invés de reclamar; mas normalmente nossos relacionamentos não são honestos, julgamos o que não conhecemos, buscamos ser servidos e não servir e, freqüentemente, reclamamos e não ajudamos. Sabemos o quanto é bom lembrar do aniversário de algum amigo, mas não lembramos; que devemos ser mais tolerantes com os erros dos outros, mas não somos; que é bom doar algo que nos é caro, mas não doamos. Diante da inércia e dificuldades internas, da própria alma, responsabilizamos o chefe pela falta de tempo, a correria da vida moderna pela aridez da oração, os inúmeros compromissos pela falta de amizade, e por aí vai. Afinal, não somos nós - são os outros.

O problema que nos difere de Paulo é que não sabemos reconhecer este grande e grave pecado que nos acompanha sempre. Pessoalmente, nunca ouvi ninguém reconhecer o quanto é miserável e concluir dizendo: "Quem me livrará desta morte?" Achamos mais fácil nos justificar nos erros dos outros do que assumir nosso próprio pecado. C. S. Lewis dizia que as pessoas mais ocupadas são na verdade as mais preguiçosas, porque sempre deixam que outros decidam o que devem fazer. É mais fácil viver assim porque também responsabilizamos os outros por tudo o que deixamos de fazer.

Penso que se todos nós, de forma corajosa e honesta, fizéssemos uma declaração como esta de Paulo e reconhecêssemos que somos nós que não fazemos o bem que conhecemos, que optamos pelo mal que não queremos, que o problema está em nós e não nos outros, que precisamos começar por nós um longo caminho de arrependimento e confissão e que necessitamos, desesperadamente, da graça de Deus para libertar nosso corpo deste processo fatal, que vem aniquilando nossos relacionamentos mais íntimos, minando nossas esperanças mais sadias e corrompendo as experiências mais santas e verdadeiras, certamente viveríamos melhor, teríamos famílias mais saudáveis e uma igreja mais madura e acolhedora.

"Miserável homem que sou." É duro reconhecer isto, mas este é o ponto de partida para a vida e a comunhão. É o princípio onde aprendemos que a vida começa em Deus e a comunhão é construída numa dependência constante e sincera dele. Fazendo isto, olharemos para nós antes de olhar para os outros. Estenderemos nossas mãos antes de exigir que alguém estenda as suas para nós. Nos doaremos aos outros antes mesmo que se doem a nós. Cresceremos porque evitaremos culpar os outros pelos nossos erros e pecados.

Que Deus tenha misericórdia de nós.