quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Por que ainda acredito na igreja?



Estamos numa época de apostasia. A Bíblia tem sido tratada de duas formas: 1) Para fins próprios. Ela se tornou um instrumento para o enriquecimento e projeção social de alguns; 2) Para fins enganosos. Falsos mestres a usa para tirar do aprisco o rebanho de Cristo. Aqui cabe a participação também dos teólogos liberais. Na sua sutileza e doce voz tem feito vítimas aos montões.

Jornais e revistas de grandes expressões publicam o avanço e o crescimento da igreja evangélica no cenário brasileiro. Não há como discutir este fenômeno social. No entanto, é um crescimento vazio e um inchaço que revela uma doença.

Num cenário de tantas heresias, falsas doutrinas, deturpações da Bíblia e a manipulação das pessoas duas perguntas surgem: Existe solução? A igreja evangélica brasileira tem salvação?
Acredito na igreja porque ela não é uma invenção humana. Ninguém por mais extraordinário que seja na capacidade mental poderia criar algo tão fascinante. A mente humana não tem condições nenhuma para ter inventado o evangelho. A igreja nasce do evangelho genuíno de Cristo.

A igreja não é uma instituição humana, embora a realidade queira dizer algo bem diferente. A igreja é de Cristo. O seu preço e a sua existência têm um valor inestimável e incalculável – o sangue de Jesus Cristo. O texto sagrado em Atos 20.28-31 diz assim:

Cuidem de vocês mesmos e de todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo os
colocou como bispos, para pastorearem a igreja de Deus, que ele comprou com o
seu próprio sangue.
Sei que, depois da minha partida, lobos ferozes
penetrarão no meio de vocês e não pouparão o rebanho.
E dentre vocês mesmos
se levantarão homens que torcerão a verdade, a fim de atrair os discípulos.
Por isso, vigiem! Lembrem-se de que durante três anos jamais cessei de
advertir cada um de vocês disso, noite e dia, com lágrimas.


Acredito na igreja porque ela revela o interesse de Deus pelo homem. Revela que é possível viver em comunhão com Trindade, pois Deus nos chama para isso.

Acredito na igreja porque as aparentes decepções conspiram para o propósito maior de Deus em Cristo. É o meio pelo qual Deus revelará o seu poder. Condenará os falsos mestres. Expulsará os hereges da sua presença. Punirá aqueles que a banalizaram. Destituirá do poder aqueles que dominavam sobre ela entre os homens. Todos esses falsos profetas e pastores que estão a serviço do mal estão também a serviço de Deus sem saber. O mal serve a Deus para glorificá-lo e cumprir os seus planos.

Acredito na igreja porque ela é o lugar curador de Deus. Pessoas são curadas e restauradas no ambiente saudável da verdadeira igreja de Cristo.

Acredito na igreja porque ela é o agente transformador de Deus para esta sociedade chafurdado no caos.

Acredito na igreja porque é o povo de Deus. Ela mostra que Deus tem poder para transformar pecadores. Os piores.

Portanto, tenho razões suficientes para lutar pela igreja de Cristo. O zelo do Senhor deve me consumir. A Bíblia instrui em Filipenses 1.27 a lutar a favor do evangelho:

Não importa o que aconteça, exerçam a sua cidadania de maneira digna do
evangelho de Cristo, para que assim, quer eu vá e os veja, quer apenas ouça a
seu respeito em minha ausência, fique eu sabendo que vocês permanecem firmes num só espírito, lutando unânimes pela fé evangélica.

Acredito na igreja porque a Bíblia me esclarece que este evangelho anunciado no Brasil (por alguns profetas e pastores) está debaixo da maldição do próprio Deus.

Cristo é o cabeça da igreja. Ele a conduz ao triunfo final. Embora pareça que tudo está errado. No final ele redimirá o seu povo e apartará o joio.

Certa vez ouvi de um pastor galés que antes de criticar a igreja de Cristo deve correr lágrimas nos olhos. Não tenho dúvida de que o próprio Senhor da igreja chora por ver o que fizeram com ela.

Choro e não deixo de acreditar que no final a igreja estará livre de todas estas mazelas. Os responsáveis pagarão pela difamação e vergonha que a igreja e o evangelho de Cristo sofreram devido os escândalos na busca do poder, fama e dinheiro.

Continuo acreditando na igreja!

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Tratado sobre a Exortação aos Pagãos...


Clemente de Alexandria


(Comentário a Mc 10,46-52, evangelho do XXX domingo do Tempo Comum - ano B)


Acolhamos a luz e tornemo-nos discípulos do Senhor

O mandamento do Senhor é transparente, ilumina os olhos (Sl 118,9). Recebe Cristo, recebe a visão, recebe a luz para conhecer ao mesmo tempo Deus e o homem. O Verbo pelo qual somos iluminados é mais desejável do que o ouro, do que muito ouro refinado; mais doce do que o mel escorrendo dos favos (Sl 18,11). Como poderia não ser desejável aquele que proporcionou a luz à mente envolta em trevas e tornou mais luminosos e mais vivos os olhos da alma? Se não houvesse sol, haveria somente noite em toda parte, apesar das estrelas. Do mesmo modo, se não tivéssemos conhecido o Verbo nem sido iluminados por ele, seríamos como aves criadas sem luz, para depois sofrermos a morte.

Abramo-nos, pois, à luz, para possuirmos Deus. Acolhamos a luz, para nos tornarmos discípulos do Senhor. Ele prometeu ao Pai: Anunciarei o teu nome aos meus irmãos, no meio da assembléia te louvarei (Sl 21,23). Glorifica-o e fala-me de Deus, teu Pai. Tuas palavras me trazem salvação. Teu cântico me ensinará que até agora tenho errado o caminho ao buscar a Deus.

Mas quando és tu, Senhor, que me conduzes à luz e por meio de ti encontro a Deus e por ti abro-me ao Pai, então me torno co-herdeiro, contigo, porque não te envergonhaste de me chamar irmão (cf. Hb 2,11).

Cuidemos de não esquecer a verdade, afastemos de nós a ignorância, e, dissipadas as trevas que ofuscam como nuvens nossos olhos, contemplemos o verdadeiro Deus, elevemos imediatamente a voz, aclamando: Salve, ó luz! Pois a nós, que estávamos sepultados nas trevas e envoltos na sombra da morte, apareceu a luz do céu, mais pura do que o sol e mais cheia de alegria do que esta vida. Essa luz é a vida eterna e dela vivem todas as coisas que dela participam. À noite, ao contrário, fugiu da luz, e, ocultando-se temerosa, cedeu o lugar ao dia do Senhor.Difundiu-se, por toda parte, aquela luz que não pode extinguir-se, e o ocaso deu lugar à aurora. Isto significa a nova criação. O Sol de Justiça que, em seu curso, domina todas as coisas, ilumina todo gênero humano, sem distinção, segundo o exemplo do Pai, que faz brilhar o sol sobre todos os homens e os asperge com o orvalho da verdade. Ele transportou o poente para o nascente e crucificou a morte transformando-a em vida.

O divino agricultor implantou no céu o homem arrancado à morte, transformando audaciosamente o corruptível em incorruptível, o terrestre em celeste. Trouxe a boa nova, incitando os povos ao bem, evocando a memória as normas de uma vida reta, dando-nos uma herança divina e imensa que ninguém pode arrebatar-nos. Com uma doutrina celeste, santificou o homem colocando em sua mente a lei e escrevendo-a em seu coração (cf. Jr 31,33). De que lei se trata? Todos me conhecerão, desde o menor até o maior, diz o Senhor, pois eu perdoarei sua iniqüidade e não me recordarei mais de seu pecado (Jr 31,34).

Acolhamos a lei da vida, obedeçamos ao chamado de Deus. Acolhamo-lo para que ele nos seja propício. Ofereçamos-lhe, embora não tenha necessidade disso, uma alma bem disposta, como agradável ação de graças pela sua habitação. A Deus, por cuja bondade aqui habitamos, tributemos adoração e amor.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Ressurreição Geral - Os mortos em Cristo ressuscitarão em glória...


J. I. Packer


“Mas alguém dirá: ‘Como ressuscitarão os mortos? E em que corpo vêm?’ Insensatos! O que semeias não nasce, se primeiro não morrer; e, quando semeias, não semeias o corpo que há de ser, mas o simples grão, como de trigo ou de qualquer outra semente... Pois assim também é a ressurreição dos mortos. Semeia-se o corpo na corrupção, ressuscita na incorrupção. Semeia-se em desonra, ressuscita em glória. Semeia-se em fraqueza, ressuscita em poder. Semeia-se corpo natural, ressuscita corpo espiritual”. (I Co 15.35-37, 42-44)

Jesus foi o primeiro a levantar-se dentre os mortos (At. 26.23), e, quando retornar a este mundo, Ele levantará seus servos para a ressurreição da vida como a sua própria (I Co. 15.20-23; Fp. 3.20,21). Ele ressuscitará, na verdade, toda a raça humana; aqueles que não pertencem a Ele por meio da fé, ressuscitarão para o juízo (Jo. 5.29). Os cristãos que estiverem vivos quando Ele vier passarão por uma transformação maravilhosa (I Co. 15.50-54), enquanto os cristãos que já tiverem morrido antes desse evento experimentarão uma gloriosa recorporificação (isto é, receberão um corpo glorificado – II Co. 5.1-5).

Haverá continuidade entre o corpo mortal e o imortal, como houve no caso de Jesus, pois Ele foi assunto ao céu com o corpo que teve ao morrer. Paulo compara a relação entre a semente e a planta que cresce dela (I Co. 15.35-44), uma espécie de continuidade, devemos notar, permite grandes diferenças entre o ponto inicial (a semente) e o produto final. Paulo diz ainda que haverá em cada caso um contraste de qualidade. Nossos corpos presentes, como o de Adão, são naturais e terrenos, sujeitos a toda sorte de fraqueza e deterioração, até que finalmente perecem. Porém, nossos corpos ressuscitados, como o de Cristo, serão espirituais (criados, habitados e sustentados pelo Espírito Santo) e pertencerão à eterna, imperecível, imortal e celestial ordem de coisas (I Co. 15.45-54).

Contudo, como o Jesus ressurreto foi reconhecido por seus discípulos a despeito da mudança operada nele pela ressurreição, e como os recorporificados Moisés e Elias foram reconhecidos na Transfiguração (Mt. 17.3,4), e ainda como os santos judeus recorporificados que se levantaram dos túmulos em seguida à ressurreição de Jesus (Mt. 27.52,53), assim também os cristãos ressurretos serão reconhecidos uns pelos outros, e jubilosos encontros são esperados além deste mundo com os crentes que amamos e depois perdemos pela morte. Isto é implícito em I Tessalonicenses 4.13-18, que foi escrito porque as pessoas que estavam vivas em Cristo temiam que tivessem perdido aqueles que tinham morrido em Cristo; Paulo escreveu-lhes, como havia feito acerca da volta de Cristo, para confortá-los e animá-los, porquanto certamente veriam de novo seus amados cristãos.

Como o sincero amor e humildade de Jesus são o modelo segundo o qual Deus está conformando nosso caráter regenerado, assim também seu corpo glorificado, a forma atual do corpo através do qual Ele expressou perfeitamente estas qualidades quando estava na terra, é o modelo para o refazimento de nossos corpos (Fp. 3.21). Os corpos que os cristãos têm agora são, na melhor das hipóteses, instrumentos insuficientes para expressar os desejos e propósitos dos corações regenerados, e muitas das fraquezas com as quais os santos lutam – timidez, temperamento agressivo, luxúria, depressão, frieza nos relacionamentos, e outras – estão intimamente ligadas à nossa constituição e sua projeção em nosso comportamento. Os corpos que se tornam nossos na ressurreição geral serão corpos que harmonizam com nosso caráter aperfeiçoado e se revelarão instrumentos perfeitos para santa auto-expressão por toda a eternidade.

A glorificação (assim chamada porque é uma manifestação de Deus em nossas vidas, II Co. 3.18) é o nome escriturístico para o completamento de Deus naquilo que Ele começou quando nos regenerou, a saber, nossa reconstrução moral e espiritual, de modo a ser perfeita e permanentemente conformada a Cristo. A glorificação é uma obra de poder transformador pelo qual Deus finalmente nos torna criaturas sem pecado em corpos imortais. A idéia de nosso estado final glorificado inclui: (a) conhecimento perfeito da graça, mediante a extensão ilimitada de nossas faculdades de compreensão (I Co. 13.12); (b) perfeita alegria de contemplar o Pai e o Filho e estar com Eles; (c) perfeita adoração e serviço a Deus por meio de uma natureza perfeitamente integrada e um coração tornado perfeitamente livre para o amor e a obediência; (d) perfeito livramento de tudo quanto foi experimentado como pecaminoso, mau, debilitante e frustrante; (e) perfeita realização de todos os desejos dos quais estamos cônscios (não desejos sexuais, Mt. 22.30; ou fome e sede, Ap. 7.16; ou desejo de dormir, Ap. 22.5; mas sim desejos por mais comunhão com Deu); (f) perfeito completamento de tudo quanto era bom e valioso na vida deste mundo, mas que teve de ser deixado incompleto porque o desejo ultrapassou a capacidade de nossa realização; e (g) crescimento pessoal incessante na abrangência de todas essas coisas perfeitas.

Paulo termina sua análise em Romanos 8.30 da ação pela qual Deus salva seus eleitos usando um significativo tempo passado dos verbos: "... aos que justificou, a esses também glorificou." A glorificação era nos dias de Paulo, e ainda é, futura para todas as pessoas, à exceção do próprio Jesus, porém a glorificação é aqui e agora um ponto fixado no plano soberano de Deus, ela é já tão boa como se já fosse feita. O uso do tempo passado tem o propósito de fazer-nos cientes de que é absolutamente impossível que nossa glorificação não aconteça. Tal é a segurança e certeza da esperança cristã.

Pelagianismo: A Religião do Homem Natural...


Michael S. Horton


Cícero observou em sua cultura que as pessoas agradeciam a Deus por sua prosperidade material, mas nunca pelas suas virtudes, pois consideram isso como uma característica inerente a elas mesmas. B. B. Warfield, um teólogo da cidade de Princeton, considerou o Pelagianismo “a reabilitação da visão pagã do mundo”, e concluiu com grande clareza: “Há duas doutrinas fundamentais sobre salvação: a que ensina que a salvação vem de Deus, e que ensina que a salvação é vinda de nós mesmos. A primeira é a doutrina fundamental do Cristianismo; a última, do paganismo universal”.

As ferinas críticas de Warfield fazem coro com o testemunho da igreja desde que Pelágio e seus discípulos começaram a patrocinar sua heresia. São Jerônimo, um Latino que viveu no quarto século, chamou o Pelagianismo de “a heresia de Pitágoras e Zeno”, por ser no paganismo que se tem normalmente a convicção de que os seres humanos têm dentro de si o poder de salvar-se a si próprios. O que, então, foi o Pelagianismo, e qual a sua origem?

Primeiramente, essa heresia originou-se com os nossos primeiros pais, como veremos adiante. Ela foi definida e classificada no quinto século, quando Pelágio, um monge britânico, chegou à cidade de Roma. Desde o momento em que lá chegou, Pelágio ficou profundamente impressionado com a imoralidade do ambiente, e decidiu começar uma reforma moralista nos sacerdotes romanos. Apesar de ter exigido um grande esforço, essa campanha encontrou apoio por parte de muitas pessoas. O sustentáculo de sua pregação era a ênfase que havia no influente bispo africano, Santo Agostinho.

Agostinho ensinava que os seres humanos, por nascerem com o pecado original, são incapazes de salvar-se a si mesmos. Segundo ele, fora da graça de Deus, é impossível que uma pessoa obedeça ou até mesmo busque a Deus. Com o pecado de Adão, houve uma total corrupção na raça humana, de modo que a vontade natural do homem está fatalmente cativa e submissa à nossa condição pecaminosa. Dessa forma, somente a graça de Deus, concedida livremente aos Seus eleitos, é capaz de trazer salvação aos seres humanos.

Contrastando em muito a isso, o discurso de Pelágio era guiado por interesses morais, e sua teologia foi feita para estimular o aprimoramento moral e social. Ele concluiu de forma fatalista que a ênfase de Agostinho na necessidade humana e na graça divina iria certamente paralisar a busca da santificação, visto que as pessoas iriam passar a pecar constante e impunemente. Dessa forma, Pelágio reagiu rejeitando a doutrina do pecado original. De acordo com ele, Adão foi meramente um mal exemplo, e não o autor de nossa natureza pecaminosa – somos pecadores porque temos pecados – e não o contrário. Conseqüentemente, é claro, o Segundo Adão, Jesus Cristo, foi apenas um bom exemplo. A salvação, dessa forma, consiste simplesmente em seguir o exemplo de Jesus em vez do de Adão. O que os homens e mulheres precisam é de uma direção moral, não de um novo nascimento; assim sendo, Pelágio viu a salvação em termos meramente naturais: seria o progresso do caráter humano, por seguir o exemplo de Cristo.

Em seu comentário em Romanos, Pelágio acredita na graça como a revelação de Deus no Velho e Novo Testamentos, a qual nos ilumina, e auxilia nossa santidade por providenciar instruções explícitas sobre Deus, e por dar muitos exemplos a serem imitados. O homem natural não é concebido em pecado. Conseqüentemente, a vontade humana não está presa a uma natureza pecaminosa e suas afeições; apenas as escolhas determinam se alguém irá obedecer a Deus, e assim ser salvo.

Em 411, surge um homem, Paulinho de Milão, com uma lista de seis pontos heréticos contidos na mensagem de Pelágio.

1. Adão foi criado mortal e teria morrido se mesmo que não tivesse cometido pecado;
2. O pecado de Adão agrediu somente a ele, não toda a raça humana;
3. Crianças recém-nascidas estão no mesmo estado que Adão antes da sua queda;
4. Não é por causa da morte e do pecado de Adão que toda a raça humana morre; de igual modo, ela não irá ressuscitar por causa da ressurreição de Cristo;
5. A lei oferece, assim como o evangelho, oferece entrada no Reino do Céu;
6. Até mesmo antes da vinda de Cristo, havia homens completamente sem pecado.

Mais tarde, Pelágio e seus seguidores negaram a doutrina da predestinação incondicional.

É obvio que o Pelagianismo foi condenado por mais concílios da Igreja do que qualquer outra heresia na história. Em 412, Coelestius, um discípulo de Pelágio, foi excomungado no Sínodo de Cartago; os Concílios de Cartago e Milevis condenaram Pelágio. O imperador oriental Teodósio II baniu os Pelagianos do Leste, em 430 d.C. A heresia foi repetidamente condenada pelo Concílio de Éfeso, em 431, e pelo Segundo Concílio de Orange, em 529. De fato, o Concílio de Orange condenou até mesmo o Semi-Pelagianismo, que embora afirme que a graça é necessária à salvação, ensina que a vontade é livre por natureza para escolher cooperar com a graça oferecida. O Concílio de Orange condenou também aqueles que ensinavam que a Salvação poderia ser concedida no simples ato de se fazer uma oração, afirmando em lugar disso, com muitíssimas referências bíblicas, ser necessário Deus despertar o pecador e lhe conceder o dom da fé antes que ele possa até mesmo buscá-lO.

Qualquer doutrina que limita o conhecimento do pecado original, o cativeiro da vontade à natureza pecaminosa, e a necessidade da graça para até mesmo aceitar dom da vida eterna e permanecer em santidade é considerada por toda a igreja como heresia. A heresia descrita é chamada Pelagianismo.

Sem Forças...


Charles H. Spurgeon

"Ai de mim" outro grita. "Minha dificuldade é que não posso renunciar meus pecados. Sei que não posso ir para o céu e levar meus pecados. Estou contente porque você sabe DISTO, porque é inteiramente verdadeiro. Precisa de estar divorciado do seu pecado ou não poderá casar-se com Cristo. Lembre-se da pergunta que relampejou na mente do jovem Bunyan quando praticava esporte no domingo: " você que ter seus pecados e ir para o inferno, ou quer renunciá-los e ir para o céu?" Isto levou-o a um triste impasse. É uma questão que cada homem terá que responder, porque não há como continuar em pecado e ir para o céu. Isto não é possível. Você precisa renunciar ao pecado ou renunciar à esperança.

Você replica: "Sim, estou querendo bastante. Querer está presente em mim, mas como fazer o que eu quero não sei. O pecado me domina, e não tenho forças." Venha, então, se não tem forças; este versículo ainda é verdadeiro. "Porque Cristo, estando nós ainda fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios." Pode ainda crer NISTO? Entretanto muitas coisas o contradizem e você acredita? Deus o disse e é fato portanto; prenda-se a ele firmemente, porque a sua única esperança reside aí. Creia nisto, confie em Jesus, e em breve encontrará poder com o qual destruirá seu pecado. Porém longe dEle o homem fortemente armado vai retê-lo para sempre na sua escravidão.

Pessoalmente, nunca pude sobrepujar minha própria iniqüidade. Tentei e falhei. Minhas tendências maldosas foram muito para mim, até crer que Cristo morreu por mim; lancei a minha alma delinqüente nEle. E então recebi um princípio vitorioso pelo qual sobrepujei meu íntimo pecaminoso. A doutrina da cruz pode ser usada para eliminar o pecado como os velhos guerreiros usavam suas enormes espadas, com as duas mãos, e ceifavam seus inimigos a cada golpe. Não há nada como fé no Amigo do pecador: vence todo mal. Se Cristo morreu por mim – ímpio como sou, sem forças como sou – então não posso mais viver no pecado, mas devo levantar-me para amar e servir a quem me redimiu. Não posso brincar com o mal que tirou a vida do meu melhor Amigo. Devo ser santo por amor a Ele. Como posso viver no pecado, se Ele morreu para salvar-me?

A Fé é Cheia de Criatividade...


Charles Haddon Spurgeon

“E não podendo aproximar-se dEle, por causa da multidão, descobriram o eirado no ponto correspondente ao em que Ele estava e, fazendo uma abertura, baixaram o leito em que jazia o doente” Marcos 2.4

“A fé é cheia de criatividade”. A casa estava cheia, a multidão bloqueava a porta, mas a fé encontrou uma maneira de alcançar o Senhor e colocar o homem paralítico diante dEle. Se nós não pudermos trazer os pecadores até Jesus pelos métodos normais, nós deveremos utilizar métodos extraordinários. Parece, de acordo com Lucas 5.19, que o telhado tinha que ser removido, o que poderia fazer poeira e causar certa medida de perigo para os que estavam abaixo, mas onde o caso é muito urgente, nós não devemos temer correr alguns riscos e abalar algumas conveniências. Jesus estava ali para curar, e portanto caísse o que caísse, a fé arriscou tudo para que seu pobre paralítico sobrecarregado pudesse ter seus pecados perdoados. Oh, se tivéssemos fé mais ousada entre nós! Nós não podemos, caro leitor, pedir nesta manhã por nós mesmos e por nossos colegas de trabalho, e tentar realizar, hoje, alguma ação nobre por amor as almas e para a glória do Senhor?

O mundo está constantemente criando; a genialidade satisfaz a todos os propósitos do desejo humano - não pode a fé criar também, e alcançar por alguma nova maneira os proscritos que estão perecendo à nossa volta? Foi a presença de Jesus que despertou a coragem vitoriosa nos quatro carregadores daquele homem paralítico - Não está o Senhor entre nós agora? Nós temos visto Sua face por nós mesmos nesta manhã? Temos sentido seu poder de cura em nossas próprias almas? Se é assim, então, através da porta, através da janela, ou através do teto, deixe-nos, rompendo através de todo impedimento, trabalhar para trazer pobres almas para Jesus. Todos os meios são bons e decorosos quando fé e amor são verdadeiramente usados para ganhar almas. Se a fome por pão pode atravessar paredes, certamente a fome por almas não deve ser impedida neste esforço.

Oh Senhor, faze-nos ágeis em sugerir métodos para alcançar Teus pobres pecadores, e ousados para carrega-los apesar de todas as dificuldades!

A Negação da Morte: Uma Abordagem Psicológica da Finitude Humana, de Ernest Becker...




por Rodrigo Inácio *


A Negação da Morte: Uma Abordagem Psicológica da Finitude Humana (1973), de Ernest Becker, é um livro iluminador que analisa, a partir de uma abordagem multidisciplinar fincada na psicanálise, o problema da morte na vida humana, a relação íntima e problemática que se configura entre o homem e esta realidade tão aterradora quanto inescapável, da qual ele possui uma angustiada consciência. O autor, que em 1974 recebeu o prêmio Pulitzer por esta obra, teve ali a pretensão de reunir e sistematizar todo o conhecimento sobre o problema da morte produzido pelas diferentes áreas do saber ao longo da história, das ciências humanas, passando pela filosofia, à religião.

O livro parte da premissa de que “a idéia da morte e o medo que ela inspira perseguem o animal humano como nenhuma outra coisa”, representando, em realidade, “uma proposição universal da condição humana” (BECKER 2007: 11). Nesta perspectiva, as diferentes culturas constituem sistemas simbólicos complexos que têm por função negar a realidade da morte, permitindo assim que as pessoas vivam com a ilusão de estarem imunes ao Inevitável, sem o fardo de sua constante e penosa consciência. O título em si já sugere uma idéia central no livro: o conceito de mentira vital serve para explicar que, a morte desempenhando um papel crucial na existência, a tendência humana mais instintiva é negá-la através de artifícios psicológicos subconscientes de auto-engano e auto-ilusão.

O conceito de heroísmo também é central e atravessa toda a trama de análise do livro. Heroísmo, aqui, designa a atitude humana fundamental (poder-se-ia dizer arquetípica) frente ao mundo, a vida e a perspectiva da morte, definindo-se como um ideal de coragem e sabedoria que varia de acordo com as culturas e os povos; aplica-se como uma chave de interpretação psicológica e antropológica, segundo a qual “nossa tendência central, nossa principal tarefa neste planeta, é a heróica” (BECKER 2007: 19). Escreve Becker: “Não importa se o sistema de heroísmo de uma cultura é francamente mágico, religioso e primitivo ou secular, científico e civilizado. É, de qualquer forma, um sistema de heróis mítico, no qual as pessoas se esforçam para adquirir um sentimento básico de valor, para serem especiais no cosmo, úteis para a criação, inabaláveis quanto ao seu significado” (BECKER 2007: 24).

Igualmente importante para a análise de Becker (conceito diretamente relacionado àquele de heroísmo) é a categoria psicanalítica de narcisismo, que nos diz, basicamente, que “estamos perdidamente absortos em nós mesmos”, e que, para cada um de nós, “todos são sacrificáveis, exceto nós mesmos” (BECKER 2007: 20). O narcisismo é a causa do egoísmo instintual que nos torna seres essencialmente associais e agressivos, mas essa tendência narcisística tem o seu lado positivo, dir-se-ia vital, pois “um grau prático de narcisismo é inseparável da auto-estima, de um sentimento básico de valorização de si mesmo” (BECKER 2007: 21). Ademais, afirma Becker, sem um mínimo de vaidade e ilusão sobre nós mesmos, sobre nossa condição e nosso valor, cairíamos numa depressão profunda.

Em função do nosso narcisismo natural, somos seres com expectativas, exigências e ansiedades, das quais os animais estão livres por não possuírem uma consciência individual abstrata, encerrados como estão no automatismo inconsciente da natureza, na ordem da generalidade e do anonimato. Os adultos, segundo o autor, reproduzem um comportamento que aparece com muito mais nitidez nas crianças: o desejo de afirmar-se como centro do universo, reconhecido e admirado por todos, de ser o primeiro e o único, o que se torna ainda mais problemático quando há mais de uma criança – ou um adulto – competindo por esses privilégios. A esta carência de nossa psique corresponde um estatuto ontológico desejável, ao qual Becker dá o nome de significância cósmica: um sentimento oceânico de ser parte dos planos da Criação, dotado de importância e valor absolutos. Seja como for, mais do que expressar um problema pedagógico ou cultural, redutível às formas de educação adequadas (“apenas as crianças mimadas se comportam assim…”), a necessidade de significância cósmica é, segundo o autor, um dado antropológico estrutural, diretamente ligado ao terror da aniquilação pela morte e à percepção da própria nulidade na economia do universo.

Em termos filosóficos, Becker parte da premissa de que o homem não possui uma “essência”: “algo fixado em sua natureza, como uma qualidade ou substância especial” (BECKER 2007: 48), como postularam durante muito tempo a teologia e a metafísica. Ao buscar-se esta suposta essência do animal racional, nada se encontra além de uma consciência angustiada, incorporada provisoriamente a um composto orgânico “que vale cerca de 98 centavos de dólar” (BECKER 2007: 50). É justamente esse o dilema existencial do ser humano, que o autor nomeia em termos de uma condição de individualidade dentro da finitude: ele se encontra cindido entre a finitude e a necessidade da parte física do seu ser, e a dimensão da infinita possibilidade que constitui sua consciência reflexiva, seu universo simbólico, sua capacidade de abstração e imaginação. Inserindo-se numa tradição de pensadores como Pascal e Kierkegaard (ao qual ele recorrerá mais adiante), Becker aponta esta condição paradoxal, possibilitada pela presença de uma consciência dilacerada, como a causa do fardo experiencial humano, incapaz de suportar o peso esmagador de uma realidade que parece, mais do que indiferente, hostil, aos nossos sonhos e expectativas. Nosso eu, formado em tensão com aquilo que Freud chama de princípio de realidade, desenvolve, desde cedo, barreiras para impedir que o terror da aniquilação nos paralise por completo, tornando-nos presas fáceis de predadores e outras ameaças; estruturado sobre camadas de proteção simbólica contra as contingências que nos ameaçam, ele simplesmente se recusa a aceitar que esteja submetido a uma realidade que o transcende e sobre a qual não tem nenhum controle. “O homem está literalmente dividido em dois: tem consciência de sua esplêndida e ímpar situação de destaque na natureza, dotado de uma dominadora majestade e, no entanto, retorna ao interior da terra, uns sete palmos, para cega e mudamente apodrecer e desaparecer para sempre. Estar num dilema desses e conviver com ele é assustador”, e é por isso que Becker acredita que “têm razão, absoluta razão, aqueles que acham que uma plena compreensão da condição humana levaria o homem à loucura” (BECKER 2007: 49).

No capítulo sobre “o caráter como mentira vital”, é analisada a maneira pela qual o ego se constitui como uma defesa neurótica contra o desespero provocado pela verdade da condição humana. Trata-se, com efeito, de uma “desonestidade necessária e básica acerca da própria pessoa e de toda sua situação” (BECKER 2007: 80). Segundo Becker, o sentimento básico da criatura consciente de si mesma é o medo, e o homem, mesmo depois de crescido, carrega em si, ainda que escamoteado, o terror profundo que a criança sente perante os mistérios e os perigos da vida. Ele é um covarde inveterado que se engana acerca de suas forças e capacidades, de sua importância e valor, para não sucumbir ao completo desespero em um mundo que pode engolfá-lo a todo momento. No fundo, ele se sabe frágil, impotente, ignorante, sem a força necessária para tornar-se o deus que desejaria ser; mesmo assim, segue adiante, mentindo para si mesmo sobre sua condição insuficiente.

Becker assume a tese de que o ser humano não possui autonomia ontológica, recebendo do exterior suas idéias, crenças, valores e significados – sua identidade mesma: “Todos os nossos significados nos são inculcados pelo lado de fora, pelas nossas relações com os outros. É isso que nos dá um ‘eu’ e um superego. Todo o nosso mundo de certo e errado, bom e mau, nosso nome, exatamente quem somos, tudo isso é enxertado em nós. Nunca sentimos que temos autoridade para oferecer coisas por nossa conta” (BECKER 2007: 72), mas isso é tudo o que nos recusamos a aceitar e admitir. Aquilo que chamamos de “caráter” – a pretensão de uma individualidade simbólica auto-subsistente – é uma ilusão, uma falsidade, uma mentira vital resultante de uma negação, de uma covardia instintiva. Assim, nossos “traços de caráter” seriam pequenas neuroses que refletem a maneira como reagimos ao problema da vida e da morte, da existência consciente em meio à cadeia alimentar. Eis porque o auto-conhecimento é tão amargo e indesejável: “A hostilidade contra a psicanálise, no passado, hoje e no futuro, será sempre uma hostilidade contra o reconhecimento de que o homem vive à custa de mentir para si mesmo sobre si mesmo e sobre o mundo, e de que o caráter [...] é uma mentira vital” (BECKER 2007: 76).

O problema da negação da morte leva o autor de encontro ao filósofo dinamarquês Kierkegaard, que produziu importantes reflexões sobre o problema existencial da morte. Becker apresenta “o psicanalista Kierkegaard”, buscando mostrar a relevância psicanalítica de sua obra, que segundo ele antecipou muitos dados da moderna psicologia clínica. Neste âmbito, Becker afirma que o maior mérito de Kierkegaard foi haver demonstrado a relação íntima que se configura entre a psicologia e a religião, no sentido de que “a melhor análise existencial da condição humana leva diretamente ao problema da existência de Deus e da fé” (BECKER 2007: 94), e vice-versa. O ponto de partida kierkegaardiano para o problema da consciência da morte é o mito bíblico da Queda, que, segundo Becker, aponta para o paradoxo existencial que é o início comum da psicologia e da religião. Ele aposta numa convergência destas duas formas culturais no sentido de iluminar o fato de que “a angústia da morte é a angústia característica, a mais intensa angústia do homem” (BECKER 2007: 96). O postulado comum entre o cristão Kierkegaard e a psicologia secular moderna é que “o homem é uma união de contrários, de autoconsciência e de corpo físico”, um ser que experimenta o paradoxo de ser meio anjo, meio besta, um animal com um rosto único e um nome próprio, mas que tem “consciência do terror do mundo e de sua morte e deterioração” (BECKER 2007: 95).

Becker segue para mostrar quão grande conhecedor dos mecanismos psicológicos de negação da morte Kierkegaard mostra ser, sugerindo já no século XIX a idéia do caráter como uma “estrutura erguida para evitar a percepção do ‘terror, perdição [e] aniquilamento [que] são vizinhos de todo homem’”. Segundo ele, Kierkegaard “entendia a psicologia tal como um psicanalista contemporâneo a entende: sua tarefa é descobrir as estratégias que uma pessoa usa para evitar a angústia” (BECKER 2007: 96). O filósofo estaria interessado em entender os estilos adotados pelas pessoas para viver sem serem perturbadas pelo terror existencial. Para ele, o confinamento em si e o automatismo cultural (“filistinismo”) seriam duas destas formas. A moderna compreensão psiquiátrica das psicoses também seria, na visão de Becker, tributária das reflexões kierkegaardianas sobre o desespero e a loucura. Sua reflexão sobre as diferentes formas do desespero, o da finitude e o da infinitude – relacionados, respectivamente, ao fator corporal limitante e ao fator espiritual, expansivo e ilimitado, da síntese humana – mostram como o indivíduo pode beirar o colapso psíquico caso afirme em excesso, ou suprima, um de seus pólos ontológicos.

Em matéria de psicanálise, a referência principal de A Negação da Morte não é Freud, que, aliás, Becker critica por haver se esquivado do verdadeiro problema da morte, transformando o que seria uma necessidade indesejável num impulso inconscientemente desejado – a “pulsão de morte”. É o brilhante ex-discípulo e colega de círculo psicanalítico de Freud, Otto Rank, que Becker considera haver melhor trabalhado o problema da morte na psicanálise, e ele recebe em sua obra um tratamento mais elaborado. Em se tratando dos temores básicos de todo ser humano, escreve Becker, “na ciência do homem foi Otto Rank, acima de tudo, quem colocou esses temores em evidência, baseando todo seu sistema de pensamento neles e mostrando o quanto são fundamentais para uma compreensão do homem” (BECKER 2007: 78).

Por fim, neste formidável livro, que vai muito além da psicanálise e pode ser do interesse de qualquer pessoa, especialista ou não, Ernest Becker realiza uma verdadeira anatomia da consciência humana angustiada pelo drama da finitude, dissecando com uma coragem admirável os temores, obsessões e traumas que têm concurso nos mecanismos instintuais da nossa vida psíquica. Uma deliciosa leitura que, por outro lado, pode ser desconfortável e amarga, pois desarma nossas armaduras de caráter e revela as formas essenciais de mentira das quais dependemos para nos mantermos de pé. Mas desagradável e amarga tão-somente na medida em que funciona como uma espécie de remédio salutar, que tomamos na expectativa de que faça bem à alma, pela virtude do auto-conhecimento.



* Mestre em Ciências da Religião, PUC-SP

sábado, 21 de agosto de 2010

Conversa sobre Agostinho de Hipona -- 1ª Parte

Conversa sobre Agostinho de Hipona -- 2ª parte

Conversa sobre Agostinho de Hipona -- 3ª Parte

Conversa sobre Agostinho de Hipona -- 4ª Parte

Conversa sobre Agostinho de Hipona - Final

Fofoca + Oração...


por Israel Belo de Azevedo


NEM TODA ORAÇÃO É BEM-INTENCIONADA


Cena 1
Você encontra uma pessoa. Antes de a pressa determinar que se separem, ela lhe diz:
-- Olha, estou muito preocupado com Fulano. Ele precisa de nossas orações. Está perto de se separar.
Você não sabia, mas ficou sabendo.


Cena 2
Começa a reunião. O dirigente ou alguém do grupo toma a palavra:
-- Gostaria que todos vocês orassem por Beltrano. Ele foi despedido do emprego e ainda está respondendo a um processo muito desagradável.
Você não sabia, mas ficou sabendo.


Cena 3
Nas duplas de oração, os motivos se multiplicam. Numa delas, alguém pede por uma instituição:
-- A situação está difícil. Os salários estão atrasados. A tensão é grande. Parece que vai fechar.
Você não sabia, mas ficou sabendo.


Quando alguém leva um pedido de oração ou faz uma oração pública com a intenção de informar aos ouvintes sobre a vida de uma pessoa ou organização, isto tem um nome.

Antes de pedir oração, precisamos estar certos que o alvo da oração pediu que orássemos por ele. Mesmo assim, precisamos avaliar as consequências.

Se uma pessoa está doente, mas não quer que ninguém saiba, respeitemos.
Se a informação sobre uma pessoa ou organização pode prejudicá-la, calemo-nos.

Do contrário, não estamos orando, estamos cometendo o pecado da foforação (fofoca + oração).

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

A solidão amiga...


por Rubem Alves

A noite chegou, o trabalho acabou, é hora de voltar para casa. Lar, doce lar? Mas a casa está escura, a televisão apagada e tudo é silêncio. Ninguém para abrir a porta, ninguém à espera. Você está só. Vem a tristeza da solidão... O que mais você deseja é não estar em solidão...

Mas deixa que eu lhe diga: sua tristeza não vem da solidão. Vem das fantasias que surgem na solidão. Lembro-me de um jovem que amava a solidão: ficar sozinho, ler, ouvir, música... Assim, aos sábados, ele se preparava para uma noite de solidão feliz. Mas bastava que ele se assentasse para que as fantasias surgissem. Cenas. De um lado, amigos em festas felizes, em meio ao falatório, os risos, a cervejinha. Aí a cena se alterava: ele, sozinho naquela sala. Com certeza ninguém estava se lembrando dele. Naquela festa feliz, quem se lembraria dele? E aí a tristeza entrava e ele não mais podia curtir a sua amiga solidão. O remédio era sair, encontrar-se com a turma para encontrar a alegria da festa. Vestia-se, saía, ia para a festa... Mas na festa ele percebia que festas reais não são iguais às festas imaginadas. Era um desencontro, uma impossibilidade de compartilhar as coisas da sua solidão... A noite estava perdida.

Faço-lhe uma sugestão: leia o livro A chama de uma vela, de Bachelard. É um dos livros mais solitários e mais bonitos que jamais li. A chama de uma vela, por oposição às luzes das lâmpadas elétricas, é sempre solitária. A chama de uma vela cria, ao seu redor, um círculo de claridade mansa que se perde nas sombras. Bachelard medita diante da chama solitária de uma vela. Ao seu redor, as sombras e o silêncio. Nenhum falatório bobo ou riso fácil para perturbar a verdade da sua alma. Lendo o livro solitário de Bachelard eu encontrei comunhão. Sempre encontro comunhão quando o leio. As grandes comunhões não acontecem em meio aos risos da festa. Elas acontecem, paradoxalmente, na ausência do outro. Quem ama sabe disso. É precisamente na ausência que a proximidade é maior. Bachelard, ausente: eu o abracei agradecido por ele assim me entender tão bem. Como ele observa, “parece que há em nós cantos sombrios que toleram apenas uma luz bruxoleante. Um coração sensível gosta de valores frágeis“. A vela solitária de Bachelard iluminou meus cantos sombrios, fez-me ver os objetos que se escondem quando há mais gente na cena. E ele faz uma pergunta que julgo fundamental e que proponho a você, como motivo de meditação: “Como se comporta a Sua Solidão?“ Minha solidão? Há uma solidão que é minha, diferente das solidões dos outros? A solidão se comporta? Se a minha solidão se comporta, ela não é apenas uma realidade bruta e morta. Ela tem vida.

Entre as muitas coisas profundas que Sartre disse, essa é a que mais amo: “Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você.“ Pare. Leia de novo. E pense. Você lamenta essa maldade que a vida está fazendo com você, a solidão. Se Sartre está certo, essa maldade pode ser o lugar onde você vai plantar o seu jardim.

Como é que a sua solidão se comporta? Ou, talvez, dando um giro na pergunta: Como você se comporta com a sua solidão? O que é que você está fazendo com a sua solidão? Quando você a lamenta, você está dizendo que gostaria de se livrar dela, que ela é um sofrimento, uma doença, uma inimiga... Aprenda isso: as coisas são os nomes que lhe damos. Se chamo minha solidão de inimiga, ela será minha inimiga. Mas será possível chamá-la de amiga? Drummond acha que sim:

“Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.!“


Nietzsche também tinha a solidão como sua companheira. Sozinho, doente, tinha enxaquecas terríveis que duravam três dias e o deixavam cego. Ele tirava suas alegrias de longas caminhadas pelas montanhas, da música e de uns poucos livros que ele amava. Eis aí três companheiras maravilhosas! Vejo, frequentemente, pessoas que caminham por razões da saúde. Incapazes de caminhar sozinhas, vão aos pares, aos bandos. E vão falando, falando, sem ver o mundo maravilhoso que as cerca. Falam porque não suportariam caminhar sozinhas. E, por isso mesmo, perdem a maior alegria das caminhadas, que é a alegria de estar em comunhão com a natureza. Elas não vêem as árvores, nem as flores, nem as nuvens e nem sentem o vento. Que troca infeliz! Trocam as vozes do silêncio pelo falatório vulgar. Se estivessem a sós com a natureza, em silêncio, sua solidão tornaria possível que elas ouvissem o que a natureza tem a dizer. O estar juntos não quer dizer comunhão. O estar juntos, frequentemente, é uma forma terrível de solidão, um artifício para evitar o contato conosco mesmos. Sartre chegou ao ponto de dizer que “o inferno é o outro.“ Sobre isso, quem sabe, conversaremos outro dia... Mas, voltando a Nietzsche, eis o que ele escreveu sobre a sua solidão:

“Ó solidão! Solidão, meu lar!... Tua voz – ela me fala com ternura e felicidade! Não discutimos, não queixamos e muitas vezes caminhamos juntos através de portas abertas. Pois onde quer que estás, ali as coisas são abertas e luminosas. E até mesmo as horas caminham com pés saltitantes.

Ali as palavras e os tempos
poemas de todo o ser se abrem diante de mim. Ali todo ser deseja transformar-se em palavra, e toda mudança pede para aprender de mim a falar.“

E o Vinícius? Você se lembra do seu poema O operário em construção? Vivia o operário em meio a muita gente, trabalhando, falando. E enquanto ele trabalhava e falava ele nada via, nada compreendia. Mas aconteceu que, “certo dia, à mesa, ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção ao constatar assombrado que tudo naquela casa – garrafa, prato, facão – era ele que os fazia, ele, um humilde operário, um operário em construção (...) Ah! Homens de pensamento, não sabereis nunca o quando aquele humilde operário soube naquele momento! Naquela casa vazia que ele mesmo levantara, um mundo novo nascia de que nem sequer suspeitava. O operário emocionado olhou sua própria mão, sua rude mão de operário, e olhando bem para ela teve um segundo a impressão de que não havia no mundo coisa que fosse mais bela. Foi dentro da compreensão desse instante solitário que, tal sua construção, cresceu também o operário. (...) E o operário adquiriu uma nova dimensão: a dimensão da poesia.“

Rainer Maria Rilke, um dos poetas mais solitários e densos que conheço, disse o seguinte: “As obras de arte são de uma solidão infinita.“ É na solidão que elas são geradas. Foi na casa vazia, num momento solitário, que o operário viu o mundo pela primeira vez e se transformou em poeta.

E me lembro também de Cecília Meireles, tão lindamente descrita por Drummond:

“...Não me parecia criatura inquestionavelmente real; e por mais que aferisse os traços positivos de sua presença entre nós, marcada por gestos de cortesia e sociabilidade, restava-me a impressão de que ela não estava onde nós a víamos... Distância, exílio e viagem transpareciam no seu sorriso benevolente? Por onde erraria a verdadeira Cecília...“

Sim, lá estava ela delicadamente entre os outros, participando de um jogo de relações gregárias que a delicadeza a obrigava a jogar. Mas a verdadeira Cecília estava longe, muito longe, num lugar onde ela estava irremediavelmente sozinha.

O primeiro filósofo que li, o dinamarquês Soeren Kiekeggard, um solitário que me faz companhia até hoje, observou que o início da infelicidade humana se encontra na comparação. Experimentei isso em minha própria carne. Foi quando eu, menino caipira de uma cidadezinha do interior de Minas, me mudei para o Rio de Janeiro, que conheci a infelicidade. Comparei-me com eles: cariocas, espertos, bem falantes, ricos. Eu diferente, sotaque ridículo, gaguejando de vergonha, pobre: entre eles eu não passava de um patinho feio que os outros se compraziam em bicar. Nunca fui convidado a ir à casa de qualquer um deles. Nunca convidei nenhum deles a ir à minha casa. Eu não me atreveria. Conheci, então, a solidão. A solidão de ser diferente. E sofri muito. E nem sequer me atrevi a compartilhar com meus pais esse meu sofrimento. Seria inútil. Eles não compreenderiam. E mesmo que compreendessem, eles nada podiam fazer. Assim, tive de sofrer a minha solidão duas vezes sozinho. Mas foi nela que se formou aquele que sou hoje. As caminhadas pelo deserto me fizeram forte. Aprendi a cuidar de mim mesmo. E aprendi a buscar as coisas que, para mim, solitário, faziam sentido. Como, por exemplo, a música clássica, a beleza que torna alegre a minha solidão...

A sua infelicidade com a solidão: não se deriva ela, em parte, das comparações? Você compara a cena de você, só, na casa vazia, com a cena (fantasiada ) dos outros, em celebrações cheias de risos... Essa comparação é destrutiva porque nasce da inveja. Sofra a dor real da solidão porque a solidão dói. Dói uma dor da qual pode nascer a beleza. Mas não sofra a dor da comparação. Ela não é verdadeira.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Reforma litúrgica...

A reforma litúrgica é a linguagem religiosa. É a linguagem da criatura que reconhece que é criatura e que Deus não é manipulável e que depende dele para mover a mão.

Perdidos na casa do Pai...

Esta é uma constatação irrefutável – nos escondemos de Deus dentro da igreja. Às vezes a igreja se torna o melhor lugar para se esconder de Deus. Na igreja há várias mediações. O pastor ou padre faz a mediação. A congregação faz a mediação. A ordem litúrgica faz a mediação. Tudo pode ser feito por mim nesta mediação. Mas qual é a minha posição? O que eu faço?

Poesia em todo lugar...

Se observarmos os livros sagrados. Seja ele da religião judaica ou cristã. Todos os livros das religiões são vazados da linguagem poética. A Bíblia é pura poesia. Somente por isso esses livros se conservam intactos no seu frescor original. Se entendermos o livro sagrado puramente uma linguagem sociológica, filosófica ou antropológica, eles já teriam morrido. Mas só porque são vazados da linguagem poética eles podem ser conservados. Uma objeção pode ser feita – eles se conservam porque são a Palavra de Deus! Sim, é Palavra de Deus. Deus fala na língua poética. Portanto, devido esta riqueza de Deus na sua linguagem e expressão, nós não podemos baratear e vulgarizar as letras das canções da liturgia cúltica. Não podemos ter comportamentos vulgares na igreja. Deus é arte. Deus é beleza. Deus é encantamento.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Silas Malafaia e o fracasso da venda de indulgências modernas...


por Renato Vargens

Ricardo Feltrin, Colunista do UOL publicou uma matéria afirmando que o pastor Silas Malafaia fracassou no objetivo de levantar R$ 1 Bilhão.

Segundo Malafaia, o dinheiro arrecadado seria empregado em evangelização em todo o mundo e manutenção de programas de TV em pelo menos 140 países. Malafaia batizou o plano de "Clube de 1 milhão de Almas". Cada fiel que aceitasse colaborar teria de doar R$ 1 mil.

Por causa do plano, o pastor recebeu severas críticas de setores não só da Assembleia de Deus, mas também de outras linhas evangélicas.

Quatro meses depois de lançado o plano, ele resulta em fracasso numérico e financeiro. Até esta terça-feira, 3 de agosto, nem mesmo 5.000 pessoas aderiram ao programa, embora o pastor esteja fazendo propaganda ostensiva em horários que adquire na TV e no rádio.

Segundo Feltrin se prosseguir na atual toada, o pastor levará 330 anos para completar o milhão de almas. O acordo que ele disse ter fechado para exibir programas em outros países seria válido apenas para este ano.

O "sócio" de Malafaia na empreitada é Mike Murdock, que é pregador conhecido como ferrenho defensor da teologia da prosperidade --aquela que, grosso modo, prega que o fiel cristão pode obter ganhos financeiros e materiais única e exclusivamente através de sua fé, e que essa fé deve ser demonstrada com uma espécie de generosidade para com a igreja com que ele, fiel, frequenta.

Caro leitor, a boa notícia disto tudo é que parece que os evangélicos definitivamente acordaram discordando da venda de indulgências modernas protagonizada por Silas e Murdock.



Fonte: http://renatovargens.blogspot.com/2010/08/silas-malafaia-e-o-fracasso-da-venda-de.html

O perigo da precipitação...



Conheci e presenciei algumas histórias de pessoas que sentiam um suposto chamado para servir a Deus à frente de uma igreja ou no campo missionário.

A igreja atual fica empolgada e fascinada quando alguém no seu ambiente se destaca com alguma habilidade. Se a pessoa tem uma boa oratória imagina-se que ali está um pregador. Se a pessoa é carismática fantasia-se ali um líder. Enfim, nesta falta de capacidade intelectual, de dons saudáveis e construtivos tudo tem sido aceito. Faltam pessoas preparadas.

Presenciei uma história em que um rapaz se converteu e naquela empolgação de novo convertido queria mudar o mundo. Sentia-se cheio de poder. Falava de Jesus para todos que passavam pelo seu caminho. Criou inúmeras inimizades por forçar uma situação de conversão. Disse então, que Deus o tinha chamado para ser missionário. Foi para o campo e conheceu uma jovem em que tiveram uma relação sexual fora do casamento. Ele não tinha nem 3 anos de convertido.

No dia 23 de julho de 2010 assisti ao excelente programa do Jô Soares. Naquele dia ele tinha como entrevistado o jovem ator Rafa de Martins. Sem dúvida alguma, é um rapaz cheio de capacidades e com uma habilidade fora do comum. Passou por várias experiências. Uma que marcou muito foi a sua experiência religiosa no circuito evangélico. Aos 20 anos participou de um retiro de carnaval a convite de seu primo. Ele relata que se sentiu muito culpado pela história de Jesus. Na sua própria expressão ele se sentiu um monstro. Foi aí então, que “decidiu se converter”. Já possuía algo inerente a sua natureza que é a habilidade de se comunicar muito bem. Levou várias pessoas para a igreja. Qual foi o pensamento da liderança da igreja? Este jovem tem o chamado para ser pastor. Enviaram-no para ser treinado e passou a pregar o evangelho. Passaram-se quatro anos e o Rafa saiu da igreja. Hoje totalmente alienado as coisas divinas. Entende que isto foi um momento da sua história que o despertou para outras coisas nas quais Deus não faz parte.

O que aprendemos com esta lição? Fica a instrução do apóstolo Paulo ao jovem pastor Timóteo que disse: “Não se precipite em impor as mãos sobre ninguém e não participe dos pecados dos outros. Conserve-se puro” [1Timóteo 5.22].

Está aí uma orientação que deve ser seguida à risca. Cuidado com a precipitação. Isto pode levá-lo a cair numa grande confusão.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Um verdadeiro aforismo...

Fiquei profundamente impactado pela declaração do vice-presidente da república (José Alencar) – “Se Deus quiser me levar, ele não precisa de um câncer. Se ele não quiser me levar, não há câncer que possa vencê-lo”.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Não chore ao pé do meu túmulo...

Não chore ao pé do meu túmulo,
Pois não estou lá.
Não durmo.
Sou mil ventos que sopram,
Sou o reluzir do diamante na neve,
Sou a luz do sol sobre o grão maduro,
Sou a chuva amena do outono.
No suave silêncio da luz da manhã
Sou o pássaro que voa célere.
Não chore ao pé do meu túmulo,
Não estou lá,
Não morri.

domingo, 1 de agosto de 2010

Provérbio Árabe...

Não digas tudo o que sabes Não faça tudo o que podes
Não acredites em tudo o que ouves
Não gastes tudo o que tens
Porque
Quem diz tudo o que sabe
Quem faz tudo o que pode
Quem acredita em tudo o que ouve
Quem gasta tudo o que tem
Muitas vezes
Diz o que não convém
Faz o que não deve
Julga o que não vê
Gasta o que não pode.