quinta-feira, 19 de março de 2009

Aborto: Breve Introdução Pastoral

A leitura da exposição abaixo é obrigatória. É um contundente texto exposto pelo Pr. Israel Belo de Azevedo (Pastor da Igreja Batista Itacuruçá, Tijuca, Rio de Janeiro). Felizmente eu ouvi pessoalmente a sua explanação. Com clareza e domínio do assunto, o pastor mostra as dimensões sobre a questão do aborto. Para quem não tem opinião formada ou ignora o tema, cabe aqui uma pausa para a leitura. A sua mente deve reflexionar sobre o assunto que tomou dimensões internacionais. Quem sabe um dia você poderá lidar pessoalmente com isto!

por Pr. Israel Belo de Azevedo

O tema da excomunhão voltou ao cenário por causa de um epsódio recente, cujos desdobramentos estão em aberto.

HISTÓRIA DE UM ABORTO

Em Alagoinha, um pequena cidade de Pernambuco, com perto de 15 mil habitantes, dos quais 35% (contra 13% da média brasileira) são analfabetos, uma menina de nove anos ficou grávida do seu padastro, que dela abusava desde os seis anos de idade, sempre oferecendo um presente de R1,00 por vez, bem como de sua irmã, mais velha (14 anos), deficiente mental.
A menina, mais nova, de 1,36 metro de altura e 36 quilos, reclamou de dores de cabeça e enjôos. Sua mãe, que é analfabeta, aposentada e tem 39 anos, levou-a a um hospital do município vizinho, no dia 25 de fevereiro de 2009, e os médicos descobriram que estava na 16ª semana de gestação (quarto mês, portanto) e de gêmeos. No dia seguinte, o acusado, de 23 anos, foi preso.
Imediatamente o Conselho Tutelar da cidade obteve autorização judicial para cuidar do caso. A menina foi levada para exames em Recife, a 226 quilômetros de distância, e dali para outro hospital. Daí para a frente as versões são conflitantes, com alguns dizendo que o pai (não o padrasto) e mãe da menina foram enganados com a informação de que haveria risco de morte para a garoto.
No dia 4 de março, ela foi trocada de quarto, arrumado com suas bonecas. A menina, que, segundo o médico José Severiano Cavalcanti, "não tem pélvis para suportar uma gestação de gêmeos, não tem seios desenvolvidos e sequer pelos pubianos”, não foi submetida a uma cirurgia, mas tomou um abortivo. Após a expulsão dos fetos, foi feita uma curetagem. Posteriormente, o médico Olímpio Moraes, que coordenou a equipe responsável pelo aborto, comentou: "Não conseguiria dormir se não fizesse a coisa certa. Seria omissão".
O pároco de Alagoinha, Edson Rodrigues, acha que houve crime. Ele também foi a Recife e tentou evitar o aborto. Segundo ele, as decisões foram manipuladas pelo Conselho Tutelar, sem levar em conta as duas vidas no ventre da mãe. Para ele, a avó (mãe da menina) foi coagida a colocar suas digitais no documento de autorização. O pai da menina, segundo o padre, também era contra o aborto.
O arcebispo de Recife e Olinda disse que também tentou evitar o aborto, diretamente com o hospital e até com o governador do Estado. No mesmo dia 4, dom José Cardoso Sobrinho anunciou que os adultos que aprovaram e realizaram o aborto estavam excomungados da Igreja Católica. Segundo o Código de Direito Canônico da Igreja Católica, essas pessoas incorreram em delito grave, sendo automática a sua excomunhão.

O próprio arcebispo expõe a visão da sua igreja:
Eu não excomunguei ninguém. Agora, o que foi que eu fiz? Primeiro, antes de acontecer o aborto, a menina estava internada num hospital de Recife. Fiz tudo o possível, convenci o diretor do hospital, ele suspendeu tudo o que estava preparado para o aborto. Depois, as pessoas entraram lá e levaram a menina pra outro hospital, onde ocorreu o aborto. Da minha parte, fiz tudo o que podia para evitar. Depois que o aborto aconteceu, vieram me entrevistar e eu relembrei o que está escrito no Código de Direito Canônico, a lei da Igreja, que diz: "quem comete o aborto está excomungando". É uma lei da Igreja. Chama-se excomunhão latae sententiae, automática. É a própria lei da Igreja que determinou isso. Se uma pessoa comete o aborto - até de uma maneira oculta, ninguém soube de nada -, está excomungada". (...) A Igreja diz: "não é lícito tirar a vida de inocentes". E é o quinto mandamento da lei de Deus: "Não matar". Nós não podemos jamais aprovar que alguém cometa o aborto. Nenhum motivo pode justificar isso. Na esperança de salvar a vida da mãe, não podemos fazer isso.
(Cf. LEAL, Cláudio. Dom José: "Não dei excomunhão. É a lei da Igreja".
O jurista católico Yves Gandra Martins Filho explica: "O que dom Fernando Cardoso Sobrinho fez foi apenas esclarecer que, pelo ato que praticaram, os que provocaram o aborto da menina de Alagoinha deixaram de participar da comunhão da Igreja Católica. (...) Ninguém é obrigado a pertencer à Igreja. Mas se o faz, deve estar de acordo com sua doutrina, defendida em sua integralidade pela Igreja Católica por mais de dois milênios. Diante de tantas contemporizações, sempre se buscando atenuar as exigências do Evangelho, não é demais lembrar, como dizia um santo de nosso tempo, que não é a doutrina de Cristo que deve se adaptar às épocas históricas, mas os tempos é que se devem abrir à luz do Evangelho". [MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. A propósito de uma excomunhão. ]


DUAS REAÇÕES

A partir daí o debate se estendeu por todo o país.
A condenação à atitude do arcebispo foi forte. Seleciono dois casos, deixando de lado os desrespeitosos, como o do médico Drauzio Varella: o de um empresário, que presidiu a Federação das Indústrias de São Paulo, e o de um psicanalista e escritor ítalo-brasileiro.

Dizendo-se cansado de "sermões e pregações com lugares-comuns conservadores, prosa aborrecida e absolutamente dissociada da realidade", o empresário paulista Horacio Lafer Piva despediu-se da igreja católica, nos seguintes termos: "Estou no grupo dos que dispensaram a classe eclesiástica na intermediação de sua relação com Deus. (...) Sigo em contato com o Eterno. Aliás, é dele que deve vir o meu perdão, felizmente. Mas contato direto, de casa, sem intermediação. É mais focado, mais honesto, mais real -- mais humanamente divino.
Piva se disse impressionado com "a presunção de um religioso ao decidir se alguém pode ou não ter o direito a comungar com Deus e (...) onde deve ou não estar após sua morte". No seu entendimento, a igreja católica, "radical" e "vazia de generosidade", está em oposição à ciência, sobretudo à medicina, como o demonstrou a reação às pesquisas com células-tronco, que teriam "diminuído a dor de muitas pessoas, se tivessem começado tempos atrás". Ele defende o direito ao aborto: "Pode-se imaginar a angústia de muitas mulheres que decidem por um aborto, somando à perda de seu sonho o preconceito plantado pela igreja". Para Piva, "a medicina é um processo. Acumula inteligência, discute limites, tem a vida como foco. A ela recorremos nos momentos extremos, com esperança e gratidão, confiantes no incremento de conhecimento que nos salva. O entendimento da vida do ponto de vista científico, felizmente, muda ao longo dos séculos".
A religião, por sua vez, "é um caminho. Ampara, questiona, responde e, da mesma forma, oferece esperanças. Mas não é uma ciência exata e deve entender a fé como algo pessoal, respeitando o livre-arbítrio e o efeito do tempo, da ciência e dos costumes. Seus seguidores não a desejam nem à frente nem atrás, mas ao lado, bem ao lado". [PIVA, Horacio Lafer. Contato imediato de mais alto grau.]

Em sua crítica, no mesmo dia e periódico, o psicanalista Contardo Calligaris concluiu:
"Na modernidade, a decisão moral é um questionamento constante e, às vezes, atormentado: cada um, levando em conta as ideias de seu grupo, seus valores mais singulares, seus sentimentos, sua fé (se ele tem uma) e os fatos (caso a caso), chega a uma decisão ou a uma opinião que acredita justa. (...) Esse aspecto da modernidade é o melhor fruto da tradição judaico-cristã e, mais especificamente, da novidade cristã, pela qual Deus pode ser o mesmo para todos porque ele não se relaciona com grupos ou pelo intermédio de grupos, mas com cada indivíduo, um a um.
Ser moderno não significa topar qualquer parada e perder-se no relativismo. Ao contrário, ser moderno (e ser cristão) significa tomar a responsabilidade de decidir no nosso foro íntimo o que nos parece certo ou errado. Claro, é mais difícil do que procurar respostas feitas e abstratas no direito canônico. Mas, contrariamente ao que deve achar dom José, ninguém nunca disse que ser cristão (e moderno) seja fácil". [CALLIGARIS, Contardo. Um arcebispo mais ou menos.]
O episódio da menina de Alagoinha, com sua estrondosa repercussão, oferece-nos algumas questões de necessária discussão. A primeira delas é o aborto.

A LEI E A OPINIÃO PÚBLICA

O Código Penal brasileiro estabelece que o aborto praticado por médico não é punido em duas condições:
"I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal".

No caso da menina de Alagoinha, os médicos avaliaram que a gestante corria risco de morte, tendo sido a gravidez resultado de estupro. Houve consentimento por escrito da sua mãe. No entanto, a Igreja Católica não aceita o aborto em hipótese alguma, nem o aborto, nem o divórcio.
Há vários projetos de lei tramitando no Congresso Brasileiro, alguns propondo que o aberto seja livre até a décima-segunda semana. Até agora, no entanto, têm sido derrotados. Um projeto que admite uma terceira possibilidade para o aborto (a constatação de anomalias no feto, como anencefalia, que é ausência parcial ou total do cérebro) ainda não foi votado.
A opinião pública brasileira tem se manifestado contráriariamente a mudanças na legislação brasileira. Um levantamento do instituto Datafolha (março de 2007) mostrou que 65% dos brasileiros acreditam que a atual legislação "não deve ser alterada", enquanto que 16% disseram que deveria ser expandida "para permitir a prática do aborto por outras causas", 10% que o aborto deveria ser "descriminalizado" (deixar de ser crime).
Outra pesquisa, do instituto Vox Populi, indicou que 76% população brasileira concordam que o aborto deve ser permitido em caso de gravidez de risco e 70% em caso de estupro. Apenas 16% acham que o aborto deve ser permitido em caso de gravidez indesejada, como propõem alguns movimentos que defendem o controle total da mulher sobre o seu corpo, a partir do entendimento que a interrupção de gestações indesejadas é um direito fundamental da mulher "e que inclusive se relaciona com a própria preservação do corpo feminino contra os pesados sacrifícios que a gestação e o parto impõem". Nas palavras de um ginecologista pró-aborto, "apesar dos seus aspectos gratificantes e construtivos quando inteiramente desejada, temos de reconhecer que a gravidez também apresenta consideráveis aspectos lesivos. Assim, é necessário desejar muito ter um filho para que todos estes sacrifícios e riscos inerentes à gravidez e ao trabalho de parto possam ser suportados de bom grado e com satisfação pela mulher, e para que a criança seja acolhida com amor". [SOUCASAUX, Nelson. As gestações indesejadas e o direito da mulher ao aborto.]
Há posições ainda mais extremadas. O filósofo utilitarista Peter Singer distingue ser humano de pessoa humana, que é alguém que tem consciência de si mesmo. Um ser humano (alguém em estado vegetativo de vida ou com severas deficiências cerebrais) pode ser morto, o que abre espaço livre para o aborto indiscriminado, o infanticídio e eutanásia. [Cf. WATKINS, Tony, org. Brincando de Deus. São Paulo: Hagnos, 2008, p. 26.]

ITENS PARA REFLEXÃO

Volto a Horácio Lafer Piva, com sua preocupação com a angústia das mulheres que decidem por um aborto, e a Contardo Calligaris, com sua afirmativa sobre a decisão moral como sendo "um questionamento constante", constante e difícil.
O desejo da mãe é suficiente para se decidir por um aborto? Uma mãe com um filho anencéfalo tem o mesmo dilema de um mulher estuprada e engravidada ou de uma jovem que ficou grávida de um namorado que lhe pedir para tirar o bebê?

Ofereço para discussão, sobre o tema do aborto, alguns pontos para reflexão.

1. Os costumes mudam com o tempo, mas nem todo costume é legitimo.
Um dos argumentos em favor da suavização da legislação em torno do aborto é o número de abortos clandestinos, alguns com vitimas fatais. Embora os costumes mudem, nem sempre mudam para melhor. Há uma pressão, alimentada por interesses pessoais ("quero que os meus interesses sejam considerados legítimos, para que os possa praticar") ou econômicos (uma ideologia é construída para convencer da validade de um consumo de produtos, serviços ou idéias), para a mudança dos costumes considerados aceitáveis. Os defensores da liberação do aborto mencionam números. No mundo são realizados 46 milhões de abortos por ano em todo o mundo, dos quais 19 milhões são inseguros, matando 70 mil mulheres morrem todos os anos em conseqüência desses procedimentos. No Brasil, ocorrem, segundo estimativas do Ministério da Saúde, ocorrem 1 milhão de abortos por ano, provocando a morte de 180 mulheres. No entanto, a realidade não é suficiente para que se desista do ideal.
Tem sido assim: se todo o mundo fuma ou bebe bebida alcoólica, deve ser permitido fumar ou beber. Já que não se não se consegue debelar o uso da droga, será melhor liberá-la, dizem alguns. Se quase todo mundo tem vida sexual ativa antes ou fora do casamento, para que os pregadores (padres ou pastores) dizem que isto é pecado? Levando ao extremo: se a pedofilia (que já foi aceita na antiguidade romana) se torna uma prática comum, deve ser aceita como normal? Em relação aos costumes, devemos afirmar alguns, reavaliar outros e abolir os demais. Devemos ter a coragem de mudar nossas posições, se formos convencidos pelas Escrituras, não pela sedução do argumento ou da prática. A tradição pela tradição não é guia seguro. Temos, na verdade, uma tarefa difícil: decidir a partir do livre exame da Bíblia.

2. A Bíblia não é explícita sobre o aborto, pela óbvia razão de que o problema não existia nos termos modernos, mas podemos encontrar nela instruções diretas, se a lemos com honestidade e seriedade.
As Escrituras Sagradas são claras quanto à sexualidade, a despeito de a sociedade ter escolhido outros caminhos, desvinculando o sexo da união conjugal legal. Aprendemos nelas que:

. Devemos fugir da fornicação (que é o sexo fora do casamento). No Novo Testamento, lemos que Deus espera que nos abstenhamos "da imoralidade sexual" (Atos 15.29).
. Devemos amar, apreciar e cuidar dos nossos bebês, desde o o ventre. A vida começa ali e é ali que Deus nos conhece. Um poeta cantou: "Desde o ventre materno dependo de ti; tu me sustentaste desde as entranhas de minha mãe. Eu sempre te louvarei!" (Salmo 71.6). Outro orou assim: "Senhor, tu criaste o íntimo do meu ser e me teceste no ventre de minha mãe" (Salmo 139.13). Jesus demonstrou uma afeição especial pelas criancinhas, quando ensinou, repreendendo seus intolerantes discípulos: "Deixem vir a mim as crianças e não as impeçam; pois o Reino de Deus pertence aos que são semelhantes a elas. Digo-lhes a verdade: Quem não receber o Reino de Deus como uma criança, nunca entrará nele" (Lucas 18.16-17).
. Se erramos, não precisamos passar o resto da vida carregando uma culpa por um pecado não perdoado que pode ser perdoado, porque aprendemos na Bíblia que Deus pode nos perdoa completamente, se O buscamos arrependidos e dispostos a uma vida longe do erro. [Desenvolvido a partir de PRATTE, David. Qué Enseña la Biblia Con Respecto al Aborto?]

3. A Bíblia diz "não matarás", mas há situações que relativizam este absoluto de Deus.
Uma mãe que gera um filho com conseqüência de uma relação sexual não consentida (abuso constante, estrupro) pode escolher ter o filho ou aborta-lo? Uma mãe cuja gestação lhe traz o risco de perder a vida pode escolher não ter a criança? Uma mãe cujo filho está malformado no seu ventre, com anencefalia, por exemplo, pode escolher abortar o bebê?
A legislação brasileira diz que sim. Que a mãe pode escolher. Algumas têm escolhido ter o filho assim mesmo, por razões de foro íntimo. Outras têm, pelas mesmas razões, optado pelo abortamento. No caso da malformação, não prevista no Código Penal, a justiça tem autorizado os abortos. Desde 1993, foram concedidos mais de 350 alvarás para realização de aborto em crianças mal formadas, especialmente anencéfalos. Ganhou notoriedade o caso da menina anencéfala Marcela Ferreira, que viveu por um ano e oito meses. O Supremo Tribunal Federal deve apreciar em 2009 a liberação do aborto em casos de anencefalia.
E o que diz a "lei de Deus", entendida não como o conjunto de regras de uma igreja, seja qual for, mas como a Bíblia Sagrada, corretamente lida e livremente interpretada?
Ameaçada de morte, uma pessoa pode decidir morrer e não matar ou matar para não morrer. Encontramos na Bíblia a seguinte instrução, bem específica: "Se o ladrão que for pego arrombando for ferido e morrer, quem o feriu não será culpado de homicídio" (Êxodo 22.2). Nos termos modernos, não haverá culpa se a morte do outro pelo atacado decorrer de legítima defesa.
Esta relativazação do "não matarás" (Êxodo 20.13) se aplica a outras áreas da vida?
Nas situações-limite, sim. Devemos ter em mente que a permissão não é uma obrigação. Mesmo que a lei dos homens permita, não se torna mandatório. Uma grávida por estupro pode escolher ter o seu bebê, para ficar com ele ou para entrega-lo para adoção. É uma questão de foro íntimo. Diante da iminência da morte de um grávida por estupo, os médicos podem decidir orientar a família pelo aborto ou pelo risco.
A decisão não é fácil, mas quem disse que é fácil viver?
Se o problema ocorre conosco, não devemos decidir sozinhos. Além das pessoas que entendemos merecem ser ouvidas, precisamos orar para que Deus nos oriente e precisamos de pessoas (confiáveis!) que orem conosco e por nós. A responsabilidade é nossa e de mais ninguém, nem mesmo de pastores ou de médicos.
Se o problema ocorre com alguém próximo de nós, quem sabe de nossa comunidade de fé, devemos reconhecer o drama envolvido na questão, antes de fazermos juízos simplificados e apressados. Nem devemos colocar sobre os ombros dos outros cargas que nós mesmos não suportaríamos levar. Devemos sobretudo amar essas pessoas, sejam quais forem as decisões que tiveram tomado. Continuam sendo nossas irmãs.

4. Aborto, portanto, é pecado, mas há situações-limite em que os que o praticam devem ser respeitados em suas decisões.
Já é bastante o sofrimento do estupro e imenso o sofrimento de uma mãe com a vida no fio da navalha para que lhe acrescentemos a culpa da escolha pelo aborto. Entre os males, deve ser respeitada a escolha do mal menor.
Não cabe aqui a inclusão do direito ilimitado ao aborto, baseado no desejo da mãe ou do pai ou de ambos. A atividade sexual deve ser desenvolvida no contexto do amor conjugal e da responsabilidade diante das suas possíveis conseqüências. A gravidez que não resulta das situações-limite, preconizadas pela legislação brasileira, deve ir até o fim. A possibilidade do aborto não pode ser estendida livremente para aqueles que escolheram um estilo de vida que atenta contra a santidade.
É por isto que os pastores precisam orientar sobre os vários temas da vida, embora a decisão sempre caiba a cada um, que deve saber que todo prazer tem o seu preço, preço muitas vezes mais elevado que o prazer. Também nestes casos, os pastores devem tratar com respeito e carinho aqueles que erram. Respeito e carinho não significa concordar com decisões que não podem ser aprovadas. A comunidade dos que professam a mesma fé, sob a liderança do seu pastor, tem o dever de tomar cuidados para que o fato não seja visto como um exemplo a ser seguido por outros. Também aqui a tarefa não é fácil e não há um manual humano a ser seguido. A tarefa da igreja é aconselhar, a partir da Bíblia, não impor.
Deve sempre ficar claro, nestas situações, que mesmo quando se pecou, o oferecimento do perdão continua de pé, em qualquer circunstância.

sábado, 14 de março de 2009

Castro Alves Contemporâneo...

por Bruno Tolentino

Castro Alves não envelheceu, antes redimiu o tempo. E não o seu tempo, nem o nosso, mas a noção mesma do tempo como inimigo do belo e carrasco do ser. Sua obra, que acabei de reler a par com o melhor de Wordsworth e Byron, desafia galhardamente aquela noção e sai-se bem dos dois confrontos. O século e quebrados que nos separa daquela assombrosa produção de apenas sete anos de ofício na curta vida de um jovem vai-se ele mesmo encurtando a cada página relida. Relê-las é humilhar o tempo que acreditávamos o dono de tudo; a esse roedor só de nossas pobres certezas e categorias assumidas, assistimos ao poeta i-lo despindo de seu poder de parálise pela tensão viva de cada estrofe, não raro de cada verso num inteiro poema. Vamos voltando assim à "Cachoeira de Paulo Afonso" como retomamos, por exemplo, com Wordsworth a "Tintern Abbey"; nada mudou porque tudo foi transfigurado de uma vez por todas. Se em "Child Harold" pareceu-me notar-lhe algo de uma neve senil nas têmporas e nas cadências, em "Mocidade e Morte" a mesma voz nos chega da dolorosa paixão de um jovem que ouvia e ecoava na mais fina música da mente os passos da morte certa. O que repõe a questão do poder "atemporal" — dito de transfiguração — da linguagem de poesia. E no que consiste isso, que significa essa não temporalidade? Distinto daquela derrapante dimensão "intemporal" incompatível com o dizer poético (o qual supõe a busca de uma concreção do pensamento longe de todo idealismo abstrato), esse poder de manter em vida aquilo de que o mero tempo das cronologias faz carniça, paradoxalmente reside numa só capacidade a conquistar pela poesia: a de arraigar-se num dado momento com toda a força das sutilezas do espírito. Quem diria! Elevar um discurso para fora do alcance do poder letal do tempo significa, justamente, temporalizar ao mais alto grau as coisas e as linguagens da mente... Estou dizendo que o poeta máximo é aquele cujo dizer, fundado nas coisas deste mundo, num presente vivido, tende de modo natural àquelas alturas do pensamento a que convergem o universal, os mistérios da sensibilidade de um povo e as sutilezas de seu idioma. A partir de então este pode "mudar" o quanto seja — e nosso léxico preferencial e até nossa sintaxe mudaram muito desde a composição de "Vozes d'África" — mas não lhe será mais possível furtar nada ao impacto emotivo-verbal que a um dado ponto na história nele encarnou-se perfeitamente.

Estou arriscando sugerir que só a emoção bruta ("gut emotion") tornada linguagem ao seu mais puro grau salva das garras de abutre do tempo a fragilidade do ser, a realidade. A arte (e não só a da palavra, esse nosso "lugar no tempo") consegue ser nossa única perenidade revisitada; mas apenas quando se queira um antídoto — o único de que dispomos, contra as tentações da "intemporalidade", vale dizer, da abstração. Esta última, ainda quando tenha parecido esplêndida, envelhece. Hugo envelheceu, se pouco; Vigny, que lhe prefiro, algo menos; mas tenho que, onde ambos lograram driblar até certo ponto a "lenda dos séculos", foi onde arrancaram à fala do dia-a-dia as coisas e as crenças de um momento e as limparam de toda banalidade corriqueira, tornando-as noções antes de elevá-las a cumes de uma impensável grandeza. Já Samuel Johnson é hoje quase risível, uma ponderosa irrelevância. Browning temo que empalideça a cada nova leitura, seu olhar ocluso e empostado parece suportar mal as ferrugens combinadas do tempo e da Idéia... A pretensa poesia de Voltaire morreu como o aborto de uma retórica abolida. Os exemplos são inúmeros. A abstração e a poesia jamais se entenderam.

Dito isto, noto que, como em Wordsworth, o que apaixona em Castro Alves não é sua paixão pelas idéias, ou mesmo pela vida ou pelo mundo que a continha em suas contingências; é a radical "tradução" que ele faz destas minúcias nos termos de uma linguagem exaltada, mas paralela ao coloquial e limpa de maneirismos, e que por isso mesmo nos chega trazendo tudo aquilo intacto mais de cem anos depois. Arrisco portanto deduzir que a sua, como a do vate inglês da natureza, foi uma arte do aqui-e-agora, a visão do fotógrafo ancorado no imediato; mas, transfigurados no poema pela linguagem nobre a que ambos souberam transpor os ângulos do cotidiano, esses "instantâneos" no contingente deixam ipso facto de pertencer apenas a uma época, a um específico "lugar no tempo". E concluo que esse roedor, o tempo que data e destrói, concede direitos de soberania a todo triunfo do espírito fundado no particular. Triunfo esse dependente, por sua parte, da renovação de um certo imprescindível fio transmissor a que chamarei agora (por empréstimo a Antônio Paulo Graça) de sensibilidade. É um conceito que venho testando contra as instâncias da melhor arte do passado, e com Castro Alves obtive um dos melhores resultados. Em certo Byron cheguei a suspeitar que a linguagem, em que pese a mestria incontestável, se tivesse em certa medida adelgaçado com o adensamento progressivo da língua inglesa desde seus tempos. Ora, nosso idioma não padeceu menos esse processo, seja com a noção suicida de "ruptura" entre os excessos de 22, seja com as adiposidades e modismos acumulados desde então. Sente-se e escreve-se cada vez mais crassamente o que se fala mal. E no entanto em Castro Alves não percebo um emagrecimento da substância, nem um enfraquecimento da pujança verbal. Sua leveza de tom continua segura e firme, sua pungência modulada e convincente. Essas espumas flutuam sem medo nas corredeiras do tempo, foram de contingência em contingência e a todas lhes sobreviveram. Restaria perguntar-se por quê. Talvez seja que, ao oposto daquele outro genial capenga, seu verso continha todas as impurezas do real, somadas a uma aderência algo mais estrita àquelas "coisas da mente" que, ditas com a transparente singeleza e a famosa paixão que o tornaram ilustre e amado, via assegurar que aquela voz tão sua, tão temporal, cruzasse, negasse o tempo e viesse inteira até nós, aos justos festejos deste sesquicentenário. Se não é algo assim o cristalino segredo da perenidade de Antonio Castro Alves, não sei o que seja.

Johnson e os Intelectuais...

por Nivaldo Cordeiro


Acabei de reler o livro Os Intelectuais, de Paul Johnson (Rio de Janeiro, Imago, 1990), depois de muitos anos. Se algum dia voltar à cátedra, não tenho dúvida de que, em qualquer programa de curso que venha a dar, esse livro encabeçará a lista de leituras obrigatórias. Com a sua prosa sóbria e elegante, Johnson faz um retrato de cada um dos principais intelectuais, desde Rousseau. Se um aluno iniciante nos cursos superiores ler esse livro com atenção, ficará vacinado contra a sedução socialista e comunista que é a tônica em nossas universidades.

O traço peculiar a todos os chamados engenheiros da alma humana (definição acertada de Stalin para os intelectuais) é a mistura de mau-caratismo e a incongruência daqueles que possuem uma vida torta quererem consertar o mundo. De todos os autores estudados no livro, os capítulos que considero absolutamente relevantes são aqueles dedicados a Marx e a Rousseau. O estudo da vida desses dois monstros morais vai mostrar onde se assenta a origem das suas taras sociais, que sustentam as idéias totalitárias. São os arquétipos de todos os sociopatas.

Os tempos em que vivemos no Brasil de hoje convidam especialmente a uma leitura como essa. Tempos de grandes perigos. Johnson escreveu, no capítulo final:

A agora chegamos ao ponto central da vida intelectual: a atitude em relação à violência. Essa é a cerca na qual a maior parte dos intelectuais, sendo ou não pacifistas, esbarram, caindo na inconsistência – ou melhor, numa absoluta incoerência. Eles a rejeitam em teoria, como de fato a lógica os leva a fazer já que se trata da antítese dos métodos racionais de resolver problemas. Porém, na prática, eles se vêem, de tempos em tempos, a favor dela – o que poderia ser chamado de Síndrome do Assassinato Necessário – ou aprovando seu uso por aqueles com quem eles simpatizam. Outros intelectuais, diante da violência praticada por aqueles que eles desejam defender, simplesmente transferiam a responsabilidade moral, por meio de uma argumentação ingênua, para os outros, a quem desejavam combater”.

Não é mera coincidência o que acontece com a classe letrada do Brasil com relação a pelo menos três temas explosivos: a guerrilha do MST, o apoio à Cuba de Fidel Castro (veja-se as recentes declarações do embaixador de Lula naquela ilha) e as relações com os EUA, em especial à sua política de combate ao terrorismo. Aplica-se o que Johnson escreveu ipsis verbis.

A existência imunda desses feiticeiros que hipnotizaram as elites não pode ser ignorada, pois as suas vida mostram o que de fato foram, monstros morais. Johnson foi muito feliz ao resumir:

Tinha-se uma perversidade especial – com a qual qualquer um que estude as carreiras dos intelectuais se torna desanimadoramente familiarizado – para se chegar a essa conclusão... Com efeito, por várias razões, o planejamento social foi a principal fraude e a maior desgraça da época moderna. No século XX, por causa dele morreram muitos milhões de pessoas inocentes, na Rússia soviética, na Alemanha nazista, na China comunista e em outros lugares. Porém, trata-se da última coisa que as democracias ocidentais, com todas as suas falhas, jamais adotam. Pelo contrário. O planejamento social é uma criação dos intelectuais milenaristas, que acreditam poderem remodelar o universo à luz de sua razão auto-suficiente. Esse planejamento é um direito inato da tradição totalitária. Teve como pioneiro Rousseau, foi sistematizado por Marx e institucionalizado por Lênin. Os sucessores de Lênin administraram, por mais de setenta anos, a mais longa experiência de planejamento social da história...


Mais não precisa ser citado. Johnson vai direto ao ponto. O livro é um convite ao despertar, em meio ao sono trágico em que está mergulhado toda a nossa classe pensante

Dinheiro público desviado para a causa abortista...

por Pe. Lodi da Cruz

Em janeiro de 2009, o jornal O Globo anunciou o lançamento do filme “O fim do silêncio”, produzido pela Fiocruz, com R$ 80 mil fornecidos pelo Ministério da Saúde. A diretora do vídeo Thereza Jessouroun afirmou que o documentário é “claramente a favor do aborto”. Mais uma vez, o dinheiro público é utilizado para incitação ao crime (art. 286, CP) e apologia de crime (art. 287, CP).

Durante quatro meses, de 12 de agosto a 27 de novembro de 2008, a União Nacional dos Estudantes (UNE) percorreu o Brasil visitando 41 universidades e realizando 57 debates. O objetivo fundamental dessa “Caravana Estudantil da Saúde” foi a propaganda do aborto, das drogas e do homossexualismo. Vejamos alguns dos temas tratados: “Legalização do aborto: aspectos legais, morais, políticos sob a ótica da saúde pública”, “Drogas – Legalizar ou não?”, “Saúde e tolerância: homofobia, lesbofobia, sexismo, racismo”, “Direitos sexuais e reprodutivos e a violência de gênero” [1]. O jornal da Caravana da UNE, no artigo “Políticas públicas para a mulher” (p. 3) afirmava ser dever do Estado “legalizar o aborto”. Tudo isso custou R$ 2,8 milhões ao Ministério da Saúde. Essa verba estava prevista no Orçamento para apoio à educação permanente de trabalhadores do SUS (Sistema Único da Saúde), mas foi desviada pelo governo para a UNE [2].

Em janeiro de 2009, o jornal O Globo anunciou o lançamento do filme “O fim do silêncio”, produzido pela Fiocruz, com R$ 80 mil fornecidos pelo Ministério da Saúde. A diretora do vídeo Thereza Jessouroun afirmou que o documentário é “claramente a favor do aborto”. De fato, como se observa no “trailer”, ele nada mais é do que uma peça publicitária que apresenta várias mulheres confessando que já fizeram aborto. Segundo a reportagem, em fevereiro duas mil cópias em DVD seriam distribuídas para escolas e entidades feministas [3]. Mais uma vez, o dinheiro público é utilizado para incitação ao crime (art. 286, CP) e apologia de crime (art. 287, CP).

Causa abortista recupera financiamento internacional

A partir do dia 23 de janeiro de 2009, os abortistas do Brasil e do mundo passaram a contar com um financiamento extra. Nessa data, o novo presidente Barack Obama revogou a chamada “Política da Cidade do México”, que proibia a concessão de fundos dos EUA para grupos que promovessem o aborto em outros países [4]. No dia seguinte, Obama anunciou que também pretende trabalhar junto ao Congresso para restaurar o apoio financeiro ao Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP) [5]. O presidente Bush havia retirado o apoio ao FNUAP porque esse organismo da ONU promove o aborto em diversas nações.

A IPPF (Federação Internacional de Planejamento Familiar), conhecida como a “multinacional da morte”, comemorou a atitude de Barack Obama. Segundo Gill Greer, diretor geral da IPPF, durante os oito anos da administração Bush, cerca de 100 milhões de dólares deixaram de ser investidos na promoção do aborto em nível internacional [6]. A verba pró-aborto deve reaparecer inclusive para o Brasil, onde a IPPF tem uma filial chamada BEMFAM.

Nilcéa Freire e José Gomes Temporão

No apagar das luzes de 2008, Nilcéa Freire, há cinco anos à frente da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres, afirmou: “ano que vem [2009] vamos entrar com muita força lá no Ministério da Saúde na ampliação dos serviços de atendimento às mulheres vítimas de violência sexual e nos serviços para a realização do abortamento legal [7].

Na edição de janeiro de 2009 do jornal da CNTS (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde), o Ministro da Saúde José Gomes Temporão aparece cumprimentando uma mãe que abortou seu bebê anencéfalo durante o tempo em que esteve em vigor uma liminar do Ministro Marco Aurélio autorizando tal tipo de aborto [8]. Pena que ele não quis cumprimentar a Sra. Cacilda Galante Ferreira, mãe da anencéfala Marcela de Jesus Ferreira, que tanto comoveu o Brasil durante 1 ano e 8 meses de vida extra-uterina.

Exceção de suspeição ao Ministro Marco Aurélio

A CNTS foi a entidade escolhida pelos abortistas para propor a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54 (ADPF 54), que pretende legalizar — sem passar pelo Congresso Nacional — o aborto de anencéfalos. A ação, proposta em 2004, aguarda o julgamento de mérito do plenário do Supremo Tribunal Federal.

No entanto, no dia 10 de dezembro de 2008, onze deputados federais protocolaram junto ao Procurador Geral da República Antônio Fernando de Souza uma representação solicitando o afastamento do Ministro Marco Aurélio do julgamento da ADPF 54. O motivo da suspeição é que o ministro violou a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (art. 36, III) ao manifestar sua opinião sob um processo ainda pendente de julgamento [9]. De fato, em entrevista feita à revista Veja, Marco Aurélio defendeu abertamente o aborto de anencéfalos e previu que a ADPF 54 seria vitoriosa, além de atacar a Igreja Católica dizendo: “e, depois que o Supremo bater o martelo, não adiantará recorrer ao Santo Padre” [10]. Se a exceção de suspeição for proposta e acatada, será necessário sortear um novo relator para o processo.

Partido do governo quer expulsar antiabortistas

No 3º Congresso do Partido dos Trabalhadores (PT), ocorrido entre agosto e setembro de 2007, foi aprovada a resolução “Por um Brasil de mulheres e homens livres e iguais”, que inclui a “defesa da autodeterminação das mulheres, da descriminalização do aborto e regulamentação do atendimento a todos os casos no serviço público” [11].

No 10º Encontro Nacional das Mulheres do PT realizado em Brasília nos dias 17 e 18 de maio de 2008 [12], foi aprovada uma resolução propondo a instalação de uma Comissão de Ética para os parlamentares antiabortistas, com “orientação para expulsão daqueles que não acatarem e não respeitarem as resoluções partidárias relativas aos direitos e à autonomia das mulheres” [13].

No dia 11 de novembro de 2008, os deputados Luís Bassuma (PT/BA) e Henrique Afonso (PT/AC) receberam a notificação da Comissão de Ética do Diretório Nacional do Partido.

Uma vez que o PT é explícita e abertamente abortista, os dois deputados acusados de serem pró-vida deveriam espontaneamente abandoná-lo. Não faz sentido para quem defende a vida insistir em permanecer em um partido que defende o aborto.

Analogamente os cristãos, por coerência com as promessas de seu Batismo, não podem filiar-se ao PT nem votar em candidatos desse partido. Convém lembrar-se disso nas próximas eleições presidenciais.

Notas:

[1] Cf. Caravana da Saúde, Educação e Cultura da UNE. Comunica REDE, Informativo 12, 18 ago. 2008. Disponível em: .

[2] Cf. CEOLIN, Adriano. Saúde transfere R$ 2,8 mi do SUS para a UNE. Folha de S. Paulo. 28 nov. 2008. Disponível em: .

[3] Cf. FILME reacende polêmica em torno do aborto. O Globo. 04 jan. 2009. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/pais/mat/2009/01/04/filme-reacende-polemica-em-torno-do-aborto-587883773.asp>.

[4] Cf. OBAMA permite financiamento de grupos pró-aborto no exterior. Folha Online, 23 jan. 2009. Disponível em:

[5] Cf. STATEMENT released after the President rescinds "Mexico City Policy". 24 jan. 2009. Disponível em: .

[6] Cf. PRESIDENT Barack Obama rescinds the Global Gag Rule. 23 jan. 2009. Disponível em: .

[7] ABADE, Luciana. Ministra Nilcéa Freire diz que debate do aborto marcará 2009. JB Online 30 dez 2008. Disponível em: .

[8] Cf. ANENCEFALIA: em defesa da dignidade da gestante e do exercício profissional. Agência CNTS, jan. 2009, p. 4. Disponível em: . A liminar foi expedida no dia 1º de julho de 2004, mas foi cassada pelo plenário do STF em 20 de outubro de 2004.

[9] Cf. CARNEIRO, Luiz Orlando, Fetos sem encéfalo: CNBB entrega memorial no STF. JB Online. 26 fev. 2009. Disponível em: .

[10] Cf. Revista Veja, Editora Abril, ed. 2076, ano 41, n. 35, 3 set. 2008, p. 74-75.

[11] RESOLUÇÕES do Congresso Nacional do PT, p.82. Disponível em:

[12] Cf. MULHERES do PT realizam seu 10º Encontro Nacional. 06 jun. 2008. Disponível em:

[13] ABORTO e punição dos parlamentares do PT. Brasília, 18 maio 2008. Disponível em: .

Direito Constitucional revolucionário...

por Marcus Boeira

O marxismo jurídico, bem como o movimento revolucionário de um modo geral, tem utilizado o Direito Constitucional e a ditadura dos juízes para promover uma verdadeira implementação ideológica marxista em substituição aos verdadeiros símbolos da realidade brasileira. E o fazem sem que haja percepção por parte de nossos mass media, com a concordância cega e robótica de nossos juristas e acadêmicos.

Hoje em dia muito se critica ou se concorda com idéias e ações de governantes. Muito se fala sobre políticas públicas que acarretam benefícios ou prejuízos para uma comunidade política, como se o funcionamento do poder fosse apenas uma decisão formada por um grupo de pessoas que não possuem limites. Ora, tal visão da realidade, além de equivocada, traz em si uma falta de percepção da realidade política que chega a cair no ridículo.

A realidade política de uma sociedade não se forma apenas pelos representantes políticos e pelos valores que informam o sistema de poder, senão também pelas instituições que se amoldam à cultura local de determinada sociedade.

Assim, a política, enquanto dimensão da existência humana, se forma a partir de três elementos: símbolos enquanto valores da existência comum dos seres humanos concretos de uma comunidade, cultura como palco de relações concretas de consenso e conflito na sociedade e instituições políticas que estabelecem a mediação entre tais valores consensuais e a dialética existencial presente na história daquela sociedade.

De fato, tais elementos também tangenciam outras áreas da existência humana que não diretamente a política apenas. Contudo, tal é a política: uma parte da vida humana cuja busca de ordem implica em uma interação entre instituições, valores e cultura, tal como se fosse uma trindade da política enquanto imagem e semelhança do Poder de Deus em nós.

Ademais, essa interação pode ocorrer de formas muito variadas em sociedades históricas com formações distintas. Por exemplo, tanto nos EUA quanto na Espanha tal interação é presente, embora de um modo distinto. E tal distinção se deve ao diferenciado processo de formação histórica dessas sociedades, principiadas por elementos transcendentes, mas maximizadas em suas origens ora por fatores de mais ativismo e participação social, ora por uma investida maior do poder político em prol de uma sociedade fraca e passiva. Assim, sociedades ativas ou passivas tem se mostrado presentes em diversos processos de formação social. Dessa forma, em todas essas sociedades há também maneiras diferentes de se estabelecer a interação entre símbolos, cultura e instituições políticas.

Na maior parte dos casos, porém, tal interação é, em parte, fomentada e auxiliada pelas Constituições. A Constituição de uma sociedade, enquanto norma jurídica fundamental, também estabelece a organização do poder, bem como os modos efetivos de limitação a esse mesmo poder em nome dos direitos fundamentais da pessoa humana. Assim, em muito do que se discute em termos de políticas púbicas na atualidade, se faz sem o conhecimento prévio dos nexos de possibilidades existentes nas redações das Constituições, sendo que em parte dos casos atuais o maior problema não está na postura de representantes políticos, mas no texto das Constituições dos países respectivos.

Nosso intento no MSM será o de articular o Direito Constitucional com a realidade política, concebendo as possibilidades e as impossibilidades dos governos e representantes políticos de um modo geral com relação aos textos de suas Constituições.

O Direito Constitucional, em suma, não tem outro intento senão o de limitar o poder político pelo direito, a saber, articular o político e o jurídico em relações simbióticas de aproximação e repulsa. No que diz respeito a aproximação, estamos a tratar com sistemas políticos cujo nexo com a formação de suas sociedades é efetivo, tal como ocorre no common law inglês com relação ao constitucionalismo histórico daquele país. Em outro caso, estamos diante de Constituições que não retratam ou retratam mal a realidade efetiva das sociedades a que correspondem, pois desconhecem fatores culturais que seriam importantes tanto para a arquitetura das instituições políticas locais quanto para a efetividade das normas constitucionais, o que na maioria dos casos ocasiona uma luta entre o jurídico e o político, que resulta ora em autocracia, ora em ditadura dos juízes.

Assim, o complexo Direito Constitucional, embora parte integrante das ciências jurídicas, será ponto de partida para as análises de cunho político, já que a política em países com Estado Constitucional de Direito efetivo é condicionada pelo texto constitucional.

Nos países da América Latina, de um modo geral, a dissonância entre os valores promovidos pelas Constituições e o arranjo de suas instituições favorecem um clima caótico na vida política. Desse modo, inúmeros governantes, em nome de suas pretensões político-ideológicas, usam as instituições para implementar suas próprias convicções, rasgando as Constituições ou mudando-as quando for conveniente. No Brasil, o problema é pior: além da péssima arquitetura de instituições políticas, com uma tripartição de poderes inadequada para a realidade brasileira (câncer herdado desde a Constituição de 1891), temos atualmente uma confusão de sentido no assim chamado Constitucionalismo democrático de valores. É que a maior parte de nossos constitucionalistas brasileiros confundem “símbolos/valores” com suas próprias ideologias, fazendo-nos aceitar que Dignidade da Pessoa Humana pode significar a legitimidade de movimentos sociais como o MST. A saber: em nome do “valor” função social da propriedade, admite-se invasões de terras e esbulho à propriedade alheia. A esse clima de caos constitucional, alia-se uma centena de “novas tendências” do Direito Constitucional. Ativistas judiciais, como os promotores do Direito Alternativo, por exemplo, costumam dizer que o Poder Legislativo é um poder inferior ao Judiciário, que agora terá a competência não apenas para aplicar a lei, mas também para interpretar e aplicar diretamente os Princípios da Constituição. Claro que por trás disso há um objetivo muito claro: o uso do Poder Judiciário para, em nome dos princípios constitucionais aplicarem-se ideologias e entendimentos pessoais sobre o que seja “justiça social”. O marxismo jurídico, bem como o movimento revolucionário de um modo geral, tem utilizado o Direito Constitucional e a ditadura dos juízes para promover uma verdadeira implementação ideológica marxista em substituição aos verdadeiros símbolos da realidade brasileira. E o fazem sem que haja percepção por parte de nossos mass media, com a concordância cega e robótica de nossos juristas e acadêmicos. Falam em justiça social e em dignidade da pessoa humana, mas por trás fomentam uma verdadeira revolução social por meio do Direito, seguindo a risca as lições de Marx, para quem o Direito seria um instrumento de transformação social.

O Constitucionalismo de valores é um bem, desde que se mantenha vinculado aos valores da existência humana e estabeleça um arranjo de instituições adequado para que esses valores se efetivem por meio do direito ordinário legislativo. Quando esses valores são substituídos por ideologias próprias dos agentes públicos, como é o caso de grande parte dos juízes brasileiros formados em escolas e universidades onde o marxismo cultural já deu as caras, os valores constitucionais restam vazios de sentido real e, na prática, as ideologias revolucionárias, totalitárias e salvacionistas desses verdadeiros profetas do socialismo se efetivam paulatinamente sem que a maior parte da classe jurídica corporativa se dê conta do que está acontecendo diante dos nossos olhos!

Para nós, que amamos a verdade, um olhar sobre o Direito Constitucional atual irá nos auxiliar a observar o processo revolucionário em curso, sabendo que observá-lo consistirá também no compromisso formal de buscar, sobretudo para os operadores do Direito, resgatar o verdadeiro sentido do Direito Constitucional: o de buscar a ordem e o bem comum.

quinta-feira, 12 de março de 2009

A mão esquerda...

por Olavo de Carvalho

Quando o sr. Luís Inácio da Silva aceitou ser o chefe de um governo de transição para o socialismo, teria ele plena consciência do que isso significa? Governos de transição revolucionária são como preservativos: começam encobrindo a arma do crime e terminam jogados na privada. Lula representou a face sorridente e amável sob a qual a esquerda ocultava a pesada máquina de guerra das militâncias enfurecidas, das tropas de guerrilheiros, das quadrilhas de narcotraficantes e seqüestradores, dos bandos de delinqüentes comuns adestrados e equipados por técnicos em terrorismo para espalhar o caos nos momentos estrategicamente convenientes. Durante anos, ele administrou com habilidade e prudência uma complexa política de mão dupla, agradando aos capitalistas pelo gerenciamento “ortodoxo” da economia, aos comunistas pela subversão sistemática dos valores morais e educacionais, pela distribuição perdulária de verbas até mesmo a entidades criminosas, pela proteção dada a terroristas estrangeiros em atividade no território nacional e pelo apoio paternal concedido aos tiranetes de esquerda que, nas nações em torno, iam brotando como fungos, fortalecidos pela unidade da estratégia continental do Foro de São Paulo que ele próprio fundara e organizara. Que, jogando com dois grupos de aliados incompatíveis entre si, prometesse simultaneamente a vitória aos antigos e a prosperidade aos novos, logrando persuadir a ambos de sua integral sinceridade, é prova de uma duplicidade de caráter elevada ao estatuto de obra de arte, pela qual, abstraída a imoralidade intrínseca da coisa, ninguém deve lhe sonegar admiração. Ora acirrando as contradições, ora amortecendo-as com um senso agudíssimo do timing e das conveniências, sua destreza no manejo da ambigüidade chegou ao requinte quase inverossímil de atrair sobre sua pessoa galardões contraditórios, fazendo com que, na mesma semana, fosse homenageado no Fórum Econômico de Davos por sua conversão ao capitalismo e no Fórum Social Mundial por sua fidelidade ao comunismo.

Mas é da natureza do jogo duplo acabar por duplicar-se a si mesmo, articulando à oposição entre os pólos em jogo a duplicidade de ritmos necessária a administrá-los. O governante de transição quer, afinal, chegar à meta, apressando sua própria remoção ao depósito de lixo do passado, ou adiá-la indefinidamente, eternizando a promessa de mudança radical e arriscando-se a ser odiado por seus antigos admiradores como aborteiro da revolução? Nesse ponto, o controle do tempo, que no começo era a arma do sucesso, torna-se ele próprio um problema insolúvel. As forças opostas que o próprio governo pôs em movimento já não obedecem ao seu comando: a organização militante acostumada a roubar sob a proteção estatal reivindica o direito à prática do homicídio político, o Poder Judiciário longamente aplacado pelas homenagens verbais à sua independência começa a agir como se de fato fosse independente. O presidente da República nem pode amarrar as mãos assassinas de seus companheiros de ontem, nem tapar a boca do magistrado inconveniente, cansado de ver a lei usada como anestésico do crime.

Os otimistas de sempre podem achar que é uma crise passageira, que o gênio da conciliação, tradição nacional da qual o presidente tem sabido se aproveitar tão bem, acabará por encontrar um subterfúgio inteligente e adiar, uma vez mais, o desenlace do insolúvel.

Talvez tenham razão. O tamanho do território, a consistência tênue e esparramada da sociedade civil, a incultura geral que predispõe à resignação apalermada foram até agora os fatores que permitiram ao sr Lula prolongar no tempo, sem crises nem danos notáveis, a sua querida engenharia da procrastinação. Mas a recusa de decidir é ela própria uma decisão, e tomada repetidas vezes acaba por se consolidar num “estado de coisas” aparentemente imutável, atraindo contra si as mesmas forças de mudança que, no início do processo, aceitaram a conciliação porque esperavam que fosse provisória.

Dizem que o ídolo e modelo do sr. Lula é Getúlio Vargas. Este era, de fato, um artista da indecisão, tática que ele consagrou no lema “Deixa como está para ver como é que fica”. Também é certo que por meio desse artifício logrou articular os incompatíveis e, como disse dele o filósofo José Ortega y Gasset, “fazer política de direita com a mão esquerda”. Mas, quando sua mão direita se moveu, foi para empunhar o revólver com que desferiu um balaço contra o próprio peito. Lula, ao inverso dele, faz política de esquerda com a mão direita. Corre o risco de enforcar-se com a mão esquerda.

Entrevista sobre João Calvino...


por Franklin Ferreira *


Íntegra da entrevista concedida à Revista Igreja, a ser publicada em fevereiro/março de 2009.

Como situar Calvino na história do cristianismo? Como reformador da fé, como sintetizar seu papel?
João Calvino é considerado um dos mais importantes teólogos da história da cristandade. Somente outros três homens tiveram impacto parecido: Agostinho, Tomás de Aquino e Martinho Lutero. Mas, em termos de genialidade, profundidade, extensão, os dois personagens mais influentes da longa história da igreja são, sem sombra de dúvida, Agostinho e Calvino. As formulações teológicas de ambos foram de longo alcance, com implicações para todas as esferas do pensamento, indo além da influência a uma determinada denominação cristã. Da mesma forma que católicos e evangélicos são devedores a Agostinho, a influência de Calvino se estende a episcopais, presbiterianos, congregacionais, batistas e, mais recentemente, pentecostais e carismáticos! Além disso, quando Calvino surge no cenário europeu, o movimento de reforma estava dividido e sob intensa pressão do catolicismo. E antes de sua morte a fé evangélica se solidificou e se tornou um movimento internacional, alcançando, a partir da Suíça, a França, norte da Itália, centro da Alemanha, Holanda, Inglaterra, Escócia, Espanha, Hungria, Polônia e até o Brasil – para onde ele enviou os primeiros missionários a chegarem às Américas, em 1555.

Calvino foi um gigante por várias razões: por sua ênfase na autoridade e prioridade das Escrituras (sola Scriptura), a solidificação do método histórico-gramatical de interpretação bíblica, sua preocupação com a estrutura da igreja visível, caracterizada pela pregação da Palavra e correta administração dos sacramentos, pela transformação ocorrida em Genebra, que se tornou o modelo de uma república cristã para toda Europa e principalmente por sua imensa contribuição literária. Esta engloba comentários bíblicos sobre quase todo o Novo Testamento e grande parte do Antigo Testamento, milhares de sermões, tratados polêmicos, cartas e escritos litúrgicos e catequéticos. Mas sua grande obra foi a Instituição da Religião Cristã (ou Institutas), que seria “uma chave abrindo caminho para todos os filhos de Deus num entendimento bom e correto das Escrituras Sagradas”. Esta obra é tão importante que recentemente foi publicada pela UNESP, numa ótima tradução. Em resumo, a importância de Calvino é tamanha para a fé cristã e para o ocidente que é reconhecida inclusive em círculos seculares.

Por que a doutrina da predestinação se tornou tão forte em sua teologia?
Na verdade, se criou uma caricatura popular do reformador de Genebra, como se sua única contribuição ao pensamento cristão tivesse sido sistematizar a doutrina da predestinação. Isso está bem longe da verdade. Agostinho, Anselmo, Tomás de Aquino e Thomas à Kempis, antes de Calvino, escreveram sobre esse tema. Agostinho legou à cristandade uma série de tratados refutando a heresia pelagiana, onde esse assunto é desenvolvido e detalhado magistralmente. Lutero escreveu um tratado imenso e virtualmente irrefutável sobre essa doutrina (Da vontade cativa), antes mesmo de Calvino. É quase decepcionante ler sobre a predestinação nos escritos de Calvino, pois não há originalidade alguma no que ele registrou sobre a predestinação. Por exemplo, nas Institutas, o debate sobre a predestinação ocupa pouco espaço. Ela não está na seção onde comumente é abordada nos livros de teologia sistemática, a providência de Deus, mas se encontra no fim do debate sobre a obra do Espírito Santo na salvação. Na verdade, são os últimos quatro capítulos dessa seção (21-24). O único capítulo sobre oração (20), nessa mesma seção, é maior que estes quatro capítulos juntos! E o surpreendente é que o enfoque dessa doutrina é devocional e pastoral; não há um único traço de especulação sobre a mesma. Nos comentários, por exemplo, Calvino trata do tema quando o texto bíblico exige, como em seus comentários das epístolas de Romanos, Gálatas e Efésios. Como alguns eruditos têm sugerido, me parece que o tema central da teologia de Calvino é a união mística do fiel com Cristo.

Como era João Calvino como cidadão?
Para começar, Calvino era cidadão francês, morando na cidade de Genebra. Isso é importante enfatizar, pois ajuda a colocar o reformador em contexto. Supõe-se que ele foi uma espécie de ditador de Genebra – outra tosca caricatura recorrente. Como ele não era cidadão genebrino, ele não tinha influência alguma sobre as decisões acerca do ordenamento civil da cidade e nem tinha direito de voto em decisões políticas ou eclesiásticas no conselho municipal. Toda sua influência foi eminentemente espiritual, especialmente por meio de sua pregação e escritos. E esta influência se estendeu a todas as esferas da cidade. Por exemplo, Genebra se tornou o primeiro lugar na Europa a ter leis especiais que proibiam: jogar fezes, urina e lixo nas ruas; fazer fogo ou usar fogão num cômodo sem chaminé; ter uma casa com sacadas ou escadas sem que as mesmas tenham grades de proteção; permitir que as parteiras se deitem nas camas com os bebês recém-nascidos (a lei visava proteger o nenê da contaminação); alugar uma casa sem o conhecimento da polícia; sendo comerciante, cobrar além do preço permitido ou roubar no peso e também (e isso se estendia aos produtores), estocar mercadorias para fazê-la faltar no mercado e assim encarecê-la.

O que as pessoas não sabem a respeito de Calvino?
Talvez a maior dificuldade em se aproximar de Calvino reside na falta de empatia entre o leitor e o escritor. Diferente da maioria dos escritores anteriores, como Agostinho e Lutero, para ficar em dois exemplos, o reformador francês fala muito pouco de si mesmo. Até mesmo reconstruir a conversão de Calvino é difícil. Ele dedica no máximo umas duas linhas ao tema, em seu comentário ao livro dos Salmos. O foco de Calvino, como pregador e escritor é o texto bíblico. O que deveria ser uma virtude – a ênfase na Escritura – torna-se um entrave, para a maioria dos leitores. Então, a imagem que fica de Calvino é que ele foi uma pessoa fria, que escreveu sobre predestinação e comandou Genebra com mão de ferro. Só que, como mencionado acima, esta caricatura está longe da realidade. Suas cartas são forte exemplo do caráter modesto, simples e desprendido de Calvino. E também da lealdade que ele devotava a seu grande círculo de amizades. Ele escreveu cartas para colegas reformadores (Farel, Viret, Melanchthon, Bullinger), reis e príncipes (Eduardo VI e Lady Jane Grey, da Inglaterra, Sigismundo Augusto, da Polônia, Duque René de Ferrara e Almirante de Coligny, da França), igrejas perseguidas e cristãos presos, pastores, vendedores de livros cristãos e mártires à espera da sentença. Por exemplo, a carta que ele escreveu a um grupo de presos em Lyon, em 1553, é um forte e comovente testemunho dos interesses pastorais do reformador de Genebra.

Como o calvinismo influenciou as estruturas sociais?
Poucas formulações do pensamento ocidental tiveram tanto impacto sobre a nossa cultura quanto os escritos de Calvino, preparados em virtual luta para submeter toda existência ao comando do Deus que se revela nas Escrituras. Por exemplo, a idéia de um governo republicano e representativo, onde se tem a alternância do poder, e onde o povo está ligado por um pacto, foi introduzida na cultura ocidental por meio de Calvino. Todos os escritores que trataram do pacto social escreveram baseados em suas percepções políticas. Theodore Beza, George Buchanan, Johannes Althusius, Samuel Rutherford – todos eles dependiam dos escritos do reformador francês. E deve-se notar que esses escritores cristãos estavam na vanguarda dos debates políticos nos séculos XVI e XVII. Por exemplo, a idéia do cruzamento fiscalizador entre os poderes (checks and balances) já estavam sendo debatidas nos Estados Unidos em meados do século XVIII por John Witherspoon, exercendo profunda influência sobre James Madison, autor da constituição daquele país. A idéia do voto distrital (um dos pilares dos países mais desenvolvidos do mundo ocidental) também depende em parte dos insights de Calvino. A primeira defesa da liberdade de imprensa e a primeira deposição de um rei tirano, e mesmo sua execução por alta-traição, ocorreram na Inglaterra no século XVII, em círculos fortemente influenciados pelo pensador francês. A revolução americana, que atingiu seu auge em 1776, de onde surgiu a mais antiga e duradoura democracia do ocidente, também foi fruto da influência do pensamento de Calvino. Todos os capelães do Exército Continental eram presbiterianos, sendo que 2/3 dos soldados eram presbiterianos. Conta-se que o rei George III, da Inglaterra, no auge da rebelião nas treze colônias, chamou-a de “aquela pequena rebelião presbiteriana” e depois afirmou que “aqueles malditos presbiterianos estão por trás disso, eles sempre desafiam a monarquia, não importa de onde eles venham”. A ditadura comunista na Romênia caiu em 1989, em grande medida por conta das pregações do pastor reformado László Tőkés para sua comunidade, em Timişoara. Em outras palavras, em países influenciados pelo pensamento calvinista não surgirão ditadores, nem nas esferas política muito menos nas eclesiásticas. Isto é história. Também podemos mencionar que, em alguma medida, a ética protestante do trabalho, com as ênfases na vocação, frugalidade, disciplina, santidade do trabalho e a ênfase nos estudos seculares, também são legado do grande reformador.

O que sua igreja pretende fazer este ano para homenagear Calvino?
Sirvo hoje na Editora Fiel, que tem mais de 40 anos de história no Brasil. Entendemos que a melhor forma de homenagear o grande reformador é publicando suas obras no país. Além da UNESP, a editora Cultura Cristã lançou duas primorosas edições das Institutas (1541 e 1559). Então, em parceria com o Reverando Valter Graciano Martins, ministro da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB), estamos reeditando alguns comentários que foram anteriormente lançados, e no decorrer desse ano estaremos lançando comentários e tratados ainda inéditos em língua portuguesa. A igreja batista da qual eu sou membro também está planejando um encontro em agosto para celebrar os 500 anos do nascimento desse importante pensador francês. Mas, no fim, não iremos homenagear o reformador francês, mas Jesus Cristo, o mestre de Calvino.

* Fonte: http://blog.editorafiel.com.br

domingo, 1 de março de 2009

Esquecer ou conviver...

O exercício mental é comprovadamente saudável para a vida. Porém, depende de que exercício é realizado mentalmente. A leitura, por exemplo, é um maravilhoso exercício. Pensar positivamente pode trazer cura para o corpo. Mas existe um exercício mental que é praticado por uma massa grande de pessoas – o esquecimento. Muitos não alcançam êxito neste empreendimento mental. Não é fácil esquecer. Existe um registro indelével de informações no cérebro. A pessoa que sofreu um acidente cerebral ou algum transtorno mental pode viver o esquecimento. Mas para pessoas saudáveis isto torna difícil e complicado.

Existe um desenho chamado “George o Rei da Floresta”. O cenário é uma selva e o jovem Josh vive com um grupo de amigos. É uma pequena imitação animada do “Tarzan”. Ele criou a chamada “Pedra do Esquecimento”. Quando ele deseja esquecer uma mágoa ou uma atitude errada que tomou, ele corre para a “Pedra do Esquecimento”. Se isso fosse uma realidade, seria muito fácil viver.

O ser humano deseja o poder de controlar o que entra e o que sai de sua mente. Para as pessoas que tem uma história de vida marcada por tragédias e desgraças o esquecimento total seria a melhor solução. Entretanto, a convivência é inevitável.

Muitos cristãos desejam também a “Pedra do Esquecimento”. A sua desobediência e graves pecados os perturbam e causa uma dor na consciência insuportável. O olhar introspecto faz com que o lado negro assuma uma vida absoluta. Quando um cristão, ou qualquer ser humano pára para refletir sobre quem ele é, e se for sincero consigo mesmo, ele terá o desejo de apagar muitas coisas de dentro de si. Infelizmente, este poder não é possível. Não é fácil viver consigo mesmo. Os horrores da consciência e da vida interna assustam. A saúde mental é, em grande parte, o dom do autoesquecimento (Nova Regra Ortográfica). A situação piora a cada tentativa. Afinal, quanto mais você tenta esquecer-se de si mesmo, mais impossível isto se torna. Alguns acreditam e acho que pode ser uma saída para o esquecimento de nós mesmos – uma vida aberta para o outro e para a criação. A dificuldade é exatamente esta – deixar de maximizar os problemas pessoais e de viver uma autocomiseração. Mas confesso que tenho uma dificuldade com esta linha de raciocínio. Não posso deixar de lembrar o que sou. Principalmente porque sou um cristão. Lembrar o que sou é saber o que Cristo fez, faz e fará em mim. Portanto, se a minha lembrança acabasse, poderia escrever um capítulo sobre a falta de memória. Mas quando o esquecimento assume o controle, o que sei sobre mim?