segunda-feira, 7 de julho de 2008

Pobre Rio! Tão perto do Cristo, tão longe de Deus!

por Reinaldo Azevedo

Acabo de assistir à entrevista coletiva do secretário de Segurança Pública do Rio, Mariano Beltrame. Parece que ele não tem muitas dúvidas de que a versão de uma das vítimas, a mãe do garoto que está com morte cerebral, é a correta. Tudo indica que a polícia perseguia um carro em alta velocidade e acabou confundindo o veículo da família com o dos bandidos. E se consumou a tragédia.

A versão dos policiais, de que o carro ficou em meio ao fogo cruzado, parece não parar de pé. Mais uma evidência da barbárie que vive a cidade do Rio — e que não é muito diferente, embora com menos destaque na imprensa, do que ocorre em muitas outras cidades brasileiras.

Beltrame é um homem correto, bem-intencionado, e sua decisão de enfrentar o crime está certa. A questão é saber com que armas — e aqui não me refiro àquelas que cospem balas: falo, digamos, da “arma humana”. Os policiais do Rio — e quase do Brasil inteiro — estão despreparados. Esse caso o prova de modo escancarado. Ora, é claro que os policiais não sabiam que havia uma mulher e duas crianças no veículo, não é? Certamente imaginaram estar alvejando o carro dos bandidos.

Neste ponto, surge sempre um questionamento que turva o problema e faz com que o debate descreva uma parábola e se afaste do que interessa: “E se fosse de bandido, era mesmo para atirar?” Depende. Não sabemos as circunstâncias anteriores. Que não partiu nenhum tiro do carro alvejado em resposta, é certo. Então por que a saraivada? Despreparo, decisão errada, estupidez.

Vocês sabem o que penso. Não haverá governo do estado — nem o de Cabral nem o de ninguém — que vá resolver isso sozinho. São Paulo reduziu em mais de 70% o índice de homicídios por 100 mil ao longo de mais de 12 anos de uma política de Segurança Pública que juntou enfrentamento do crime com qualificação da polícia — embora longe do ideal. No Rio, infelizmente, fez-se o contrário: sucessivos governos resolveram que o crime organizado era, como é mesmo?, um atributo das “comunidades”. Quando, enfim, o Poder Público decide agir, a sensação que se tem é a de que já é tarde demais, de que se está enxugando gelo. O Rio é um problema federal.

Não afirmo isso só agora, não, no governo Lula. Já escrevia o mesmo durante o governo FHC. No velório de Ruth Cardoso, tive uma conversa rápida e amistosa com José Gregory, que foi ministro da Justiça do governo tucano. Ele me apresentou a uma terceira pessoa mais ou menos assim: “Aqui está um dos caras que mais batiam no governo; eu já apanhei muito, divergimos bastante, mas reconheço que a crítica era honesta”. Pois é. Os petralhas acham que jamais critiquei outros governos; que descobri a crítica com a chegada de Lula ao poder. Critico este governo porque, afinal, é este o governo que está aí.

Mas volto: eu já cobrava do governo FHC que tratasse o Rio como uma "questão federal”. E continuo a cobrar o mesmo de Lula. Ou se faz um plano de desarticulação do narcotráfico na cidade, com a ajuda das Forças Armadas, da Força Nacional de Segurança e da Polícia Federal, ou nada feito. A ação mais dura da polícia certamente salva inocentes também — mas quem terá a coragem de dizer isso agora, diante da morte praticamente certa de uma criança? Ocorre que o centro da questão é outro: é preciso chegar à raiz do problema: e é o narcotráfico — e não a desigualdade, como também é hábito se dizer em momentos como este.

O Rio tem a cara dos nossos desatinos. Trata-se, sem favor patriótico, de uma das mais belas cidades do mundo, tornada, no entanto, quase inviável pela incúria de sucessivos governos. Enquanto escrevo estas linhas, lembrei-me da última pesquisa Datafolha, que aponta a liderança, para a Prefeitura, do bispo Crivella, do PRB (26%), seguido, com certa distância, pela comunista Jandira Feghali (17%). O homem do “Cimento Social” lidera entre os mais pobres, e a representante do PC do B (!) tem uma bela fatia dos mais ricos e escolarizados. Temos nada menos de 43% do eleitorado, por ora, rendido ou ao populismo excrescente ou ao discurso bocó das origens sociais da violência. As duas coisas, somadas, condenaram a “Cidade Maravilhosa”.

Pobre Rio de Janeiro! Tão perto do Cristo, tão longe de Deus!

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