segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Sobre o modo de estudar - o De Modo Studendi...



1. O De modo studendi de Tomás.
O De modo studendi é uma carta de autoria de Tomás de Aquino, aconselhando sobre o modo de estudar. Tomás dava muita importância à correspondência. Victor White observa que não é raro que Tomás deixe de lado seu trabalho em obras maiores para elabo-rar respostas a cartas, especialmente de seus irmãos dominicanos.

O destinatário da carta De modo studendi, um tal "irmão João", é um dominicano jo-vem, iniciando seus estudos, e afoito por mergulhar no "oceano da sabedoria", resolveu escrever ao mestre consumado, perguntando sobre atalhos.

Tomás, que - no Comentário à Ética de Aristóteles - afirma ser o tempo o grande cola-borador (bonus cooperator), começa por responder ao impaciente Frei João que não há atalhos, mas caminhos: pelos riachos é que se chega ao mar e o "difícil deve ser atingido a partir do fácil".


Já no início da carta, Tomás, referindo-se à tarefa de obter o conhecimento, emprega sugestivamente o gerúndio - acquirendo, adquirindo - como que a indicar que a formação intelectual é mais um contínuo processo do que pacífica posse decorrente de uma ação que se perfaz de uma vez. Significativo, nesse sentido, é o uso do verbo incedere, caminhar, marchar. Com efeito, já na primeira questão da Summa, referindo-se à busca pela razão humana da verdade mais elevada, Tomás diz que "só poucos, depois de muito tempo e com mistura de muitos erros, podem chegar". O tempo é bonus cooperator, o grande aliado de quem almeja o "tesouro do conhecimento".

O De modo studendi é um espelho em que se reflete uma concepção de educação total-mente diferente da que prevalece em nosso tempo. Se um grande educador de hoje fosse consultado sobre "o modo de estudar" ou sobre como "adquirir conhecimentos", certa-mente sua reposta dirigir-se-ia a questões técnicas, programático-curriculares, motiva-cionais...: o conhecimento é, para nós, compartimentado, separado da existência. Já Tomás, que pensa no saber como algo integrado à existência, ante as mesmas perguntas, aconselha "sobre como deve ser tua vida".

Se o objetivo da escola, hoje, é formar o bom profissional, ou, quando muito, "educar para a cidadania" ou formar para uma análise crítica do mundo; os conselhos de Tomás, no século XIII, incidem sobre a própria estrutura nuclear íntima do ser humano.

2. A educação para a sabedoria.
Assim, já na primeira questão da Suma Teológica, ao procurar caracterizar o que é a sabedoria, Tomás explica que a sabedoria não deve ser entendida somente como conhecimento que advém do frio estudo, mas como um saber que se experimenta e saboreia. Tomás, sempre muito atento aos fenômenos da linguagem, à fala do povo, como fonte de profundas descobertas filosóficas, encanta-se com o fato - para ele experiência pessoal vivida - de que em sua língua latina sapere signifique tanto "saber" como "saborear". Esta coincidência de significados na linguagem do povo - Tomás bem o "sabe" - não é casual: se há quem saiba porque estudou, verdadeiramente sábio, porém, é aquele que sabe porque saboreou.

Se a sabedoria não pressupõe só uma dimensão intelectual, mas está integrada ao todo da existência, não é de estranhar, que, dentre os conselhos dados por Tomás sobre o modo de estudar, encontremos a exortação ao silêncio, à vida de oração, à amabilidade, à humildade, à pureza de consciência, à santidade.

Nesse sentido, deve-se observar também que o alcance semântico da própria palavra studium em latim é muito mais abrangente do que a nossa estudo. Studium significa amor, afeição, devotamento, a atitude de quem se aplica a algo porque ama e, não por acaso, esse vocábulo acabou especializando-se em dedicação aos estudos. Assim, o próprio título do opúsculo de Tomás Sobre o modo de estudar, sugere algo assim como: Sobre o modo de aplicar-se amorosamente.

E, na verdade, o que Tomás propõe é nada menos do que uma dedicação integral, uma consagração à vida intelectual. Um estilo de vida muito exigente, que supõe uma ascese de relacionamento do homem com Deus, com os outros e consigo mesmo.

Na visão compartimentada do conhecimento que temos hoje, esperamos que nosso aluno demonstre teoremas, calcule empuxos, balanceie equações químicas, escreva redações sugestivas e conjugue corretamente os verbos; o que ele é enquanto homem, isto é lá com ele. Já para Tomás, como se vê no De modo studendi, alguém dedicado ao estudo deve, antes de mais nada, cuidar das atitudes da alma.

3. O silêncio como pressuposto da vida intelectual.
Talvez não haja nada mais oposto ao espírito de nosso tempo do que os conselhos de Tomás que recomendam o cultivo do silêncio. E, no entanto, trata-se, como explica, um dos principais filósofos da educação contemporâneos, Josef Pieper, de uma das regras fundamentais da vida intelectual e da vida do espírito.

4. A descoberta da realidade como objetivo da vida intelectual.
No que se refere à vida intelectual, Tomás afirma a existência de uma ordo, de uma di-nâmica própria do conhecimento, daí que o Aquinate freqüentemente compare o sábio ao arquiteto. Certamente, essa ordo exige uma ordenação do próprio objeto de estudo: do mais fácil para o mais difícil; do riacho para o alto mar. Mas a aquisição do tesouro do saber exigirá também uma ordenação interior do sujeito que estuda. A essa ordo in-terius referem-se os conselhos do De modo studendi. Afinal, o conhecimento da realidade é, para Tomás, o objetivo da educação, e mais, a própria realização do homem.

SOBRE O MODO DE ESTUDAR

Tomás de Aquino

Já que me pediste, frei João - irmão, para mim, caríssimo em Cristo - que te indicasse o modo como se deve proceder para ir adquirindo o tesouro do conhecimento, devo dar-te a seguinte indicação: deves optar pelos riachos e não por entrar imediatamente no mar, pois o difícil deve ser atingido a partir do fácil. E, assim, eis o que te aconselho sobre como deve ser tua vida:

1. Exorto-te a ser tardo para falar e lento para ir ao locutório.

2. Abraça a pureza de consciência.

3. Não deixes de aplicar-te à oração.

4. Ama freqüentar tua cela, se queres ser conduzido à adega do vinho da sabedoria.

5. Mostra-te amável com todos, ou, pelo menos, esforça-te nesse sentido; mas, com nin-guém permitas excesso de familiaridades, pois a excessiva familiaridade produz o desprezo e suscita ocasiões de atraso no estudo.

6. Não te metas em questões e ditos mundanos.

7. Evita, sobretudo, a dispersão intelectual.

8. Não descuides do seguimento do exemplo dos homens santos e honrados.

9. Não atentes a quem disse, mas ao que é dito com razão e isto, confia-o à memória.

10. Faz por entender o que lês e por certificar-te do que for duvidoso.

11. Esforça-te por abastecer o depósito de tua mente, como quem anseia por encher o máximo possível um cântaro.

12. Não busques o que está acima de teu alcance.

13. Segue as pegadas daquele santo Domingos que, enquanto teve vida, produziu folhas, flores e frutos na vinha do Senhor dos exércitos.

Se seguires estes conselhos, poderás atingir o que queres.

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