sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

Uma Teologia Relevante

Se a teologia se interessa somente pela natureza de Deus, possivelmente poderia desentender-se das ciências sociais. Mas se a teologia relaciona-se com a vida e com a proclamação da Igreja, e se essa tem que levar, afinal, sua proclamação em um contexto no qual a Igreja vive e proclama a sua mensagem, assim como para entender a própria Igreja, as ciências sociais e humanas são imprescindíveis.

Na Bíblia, por exemplo, ordena-se repetidas vezes, ao povo de Deus que se ocupe das pessoas desamparadas tais como as viúvas, os órfãos, os estrangeiros e os pobres. Além disso, isso não é unicamente uma questão de ética, mas também um reflexo do caráter do próprio Deus, que se ocupa dos desamparados.

Tudo isso tem profundas implicações. Os teólogos não podem mais viver como espíritos desencarnados, que estão alienados a sua realidade. Uma teologia contextualizada é tudo que uma sociedade precisa. A igreja tem a sua proclamação, mas não considera as circunstâncias sócias as sua volta. Penso que a teologia deve andar de mãos dadas com outras ciências, pois facilita muito o trabalho de um teólogo que sabe se relacionar, por exemplo, com antropologia, sociologia, pedagogia e ciências sócias. É preciso acabar com a idéia que a Idade Média tinha sobre a teologia, que era conhecida como a “rainha das ciências”.

O que parece, é que os teólogos desconsideram métodos importantíssimos na leitura da realidade humana.

A teologia que tem como uma das suas funções explicar a realidade. A afirmação então da teologia, é dizer que tudo quanto existe é criação de Deus. Mas como estas coisas funcionam é assunto da incumbência de outras disciplinas, e não da teologia. Percebo que é uma obrigação da Igreja e dos teólogos responderem dentro do possível as questões da realidade, tudo aquilo que a humanidade anseia conhecer e que está vedado para seu o conhecimento.

Infelizmente o nosso meio acadêmico tem discutido pensamentos e reflexões que estão além da realidade. O meio acadêmico tem que produzir uma teologia, ou uma forma de se pensar que realmente transforme a humanidade. De que vale tantos momentos de reflexões, tantos debates e tantas discussões se nada muda, se a igreja não se torna relevante, então, de que adianta? Não introduzimos na nossa teologia a justiça de Deus, algo que realmente expressa o quanto esta humanidade, que é criação de Deus, tem de valor e precisa de cuidados e carece de uma teologia de impacto e prática.

O grande reformador João Calvino, que era teólogo e um homem da igreja. A sua teologia teve grande impacto na vida social. O seu senso de responsabilidade com o outro, refletia a pura compreensão que o reformador tinha acerca da criação. Bom, para Calvino a compreensão de todo caos estava na queda do homem – no Jardim do Éden.

Calvino se levanta como uma voz profética e denunciadora de toda sorte de maldade que se instalava em Genebra. Foi quando ele deu inicio a todo desenvolvimento teológico da sua carreira, principalmente na área social. Calvino cumpriu a risca o que diz Provérbios 31:8-9 – “Erga a voz em favor dos que não podem defender-se, seja o defensor de todos os desamparados. Erga a voz e julgue com justiça; defenda os direitos dos pobres e dos necessitados”. Calvino defendia os direitos de todos que eram lesados com a falta de equidade na aplicação da justiça, das distribuições de alimentos e todo monopólio financeiro.

Uma jogada que Calvino fez que realmente foi formidável é: A obra de restauração realizada por Cristo não se limita apenas à nova vida dada ao indivíduo, mas abrange a restauração de todo o universo – o que inclui a ordem social e econômica. Para Calvino a questão do indivíduo não era meramente espiritual. Se Cristo era o Senhor de toda a existência humana, era dever da igreja dar atenção às questões sociais e políticas.
Percebe-se que Calvino já tinha uma reflexão do que hoje é muito discutido, sbre a “missão integral”, que é cuidar do homem como um todo. Ter a consciência que ninguém é simplesmente espiritual que existem outras carências que devem ser preenchidas, e que a igreja juntamente com a sua teologia fundamentada em toda criação de Deus deve preencher.

Pensamos constantemente que se o país for governado somente por cristãos tudo mudará. Quando fazemos uma retrospectiva e analisamos os atos daqueles que se diziam cristãos, e que estavam no poder e que exerciam fortes influências na câmara e no senado, as suas trajetórias são marcadas por corrupções e escândalos. É muito difícil chegarmos ao um estado semelhante ao século XVI em Genebra quando Calvino com Guilherme Farel fizeram de todo o poder político uma submissão aos valores e princípios cristãos, passando então, a assumir todo o controle político-social os líderes protestantes. Onde a corrupção, desigualdade e escândalos aos poucos foram sumindo do cenário político-econômico-social de Genebra. O interessante é que Genebra passou por um grande despertamento e um profundo avivamento espiritual, em que todo país era praticamente protestante e isso influenciou e muito na diminuição dos problemas sociais. Enquanto que no Brasil, o aumento do número dos cristãos não tem diminuído o número dos nossos problemas.

Hoje quando olhamos para a América Latina e principalmente para o Brasil, notamos que vários cristãos espalhados pelas várias classes sociais vão reproduzindo a ideologia, os interesses e os discursos das suas respectivas classes. Não percebem que o compromisso com o reino de Deus – que condena a tudo isso com sinais e manifestações do pecado – nos chama para a denúncia, a pronúncia, a proposta e a ação.

Vamos analisar alguns detalhes do nosso Brasil: Existem corrupções morais e governamentais em nosso sistema de governo. Existe um problema seriíssimo da distribuição de renda em nosso país. Existe uma dívida enorme que o Brasil tem com o exterior. Existe a grande possibilidade de perdemos uma riqueza inigualável, que é a Amazonas. Existe um problema com a agricultura. Os agricultores não são assistidos como merecem. Os negros, os índios, os mestiços e as mulheres lutam, há cinco séculos, pela aquisição de uma cidadania plena, excluídos legalmente e discriminados socialmente e sofrem grandes dificuldades no acesso a faculdades. Há escravidão em nosso país ainda. Existem várias crianças que são exploradas no trabalho. E o que dizer dos atrasos na Reforma Tributária e na Reforma Agrária. E a nossa justiça que é lenta e injusta. Inocentes são julgados como culpados e culpados são inocentados. Quem não tem dinheiro e escolaridade é tratado diferente perante a justiça do nosso país. Infelizmente a nossa justiça brasileira não expressa nenhum indício da justiça divina. O que dizer do desemprego que é assustador. É interessante que Calvino desenvolve um pensamento muito adequado sobre este tema. Para Calvino, privar um homem do seu trabalho é pecado contra Deus – pois o trabalho é dom de Deus, e o dever que ordenou ao homem. É tirar-lhe a vida – pois os trabalhadores pobres dependem dia a dia do seu labor para o pão com que se sustentam e às suas famílias – ao contrário dos ricos, que tem propriedades. Assim promover o desemprego, na opinião de Calvino, seria um atentado à vida do pobre, e, portanto, um pecado contra o mandamento de Deus “Não matarás”. E a última do momento, os deputados e senadores queriam um aumento de 91% no salário, que seria mais de vinte e quatro mil reais. Enquanto isto é discutido sobre o aumento do salário mínimo de trezentos e cinqüenta para trezentos e oitenta reais. Onde está a igreja e a teologia nesta hora? Por isso, não se pode fazer teologia àquele que não tem os valores de Deus impressos na sua alma. Aquele que não tem nenhuma compreensão da criação e restauração. Tais teólogos são de mentira. A verdadeira teologia se faz no meio da povo, conhecendo as suas dores e labutas. Uma teologia que se fecha para a realidade que a cerca, não tem condições de produzir nada de relevante, com o tempo será esquecida, porque não marcou época e não transformou a sua geração que lia suas reflexões e não via nada de útil para mudar a situação que se fazia presente.

O que temos hoje é a presença das ong’s, que fazem um maravilhoso papel – é como diz Bill Clinton “O mundo é das ong’s”. Ao lembrar-me das passagens das Escrituras, quando Jesus curou o cego e o paralítico e disse, vai te apresentar as autoridades, isto daqui a pouco serão as palavras que as ong’s dirão as pessoas – para elas se apresentarem às igrejas.

É muito difícil encontrarmos cristãos envolvidos com programas de preservação a baleias, a vegetação e ao próprio ser humano. Tudo isso se deve à defasagem do conceito bíblico no meio cristão. Deixamos uma responsabilidade para outros que na verdade é toda nossa, prover os recursos para o bem estar da criação como um todo.

Enfim, vejo perda de tempo em tantos encontros de reflexões teológicas, em tantos materiais sobre a existência de Deus, se a Bíblia é ou não é a palavra de Deus. A humanidade não quer saber disto. Nós teólogos somos conhecidos como aqueles que pensam sobre Deus e que tem conhecimento do que deve ser feito, mas infelizmente a humanidade perece em inutilidades que nós teólogos estamos produzindo. Não preenche, não alimenta, não cura, não restaura, não transforma e não acrescenta nada a nossa teologia, que muita das vezes é sofista é tão humanista que acaba por ser individualista.

Não somente o Brasil, mas toda a humanidade espera uma resposta e cabe a nós pensadores, teólogos e pastores tomarmos uma atitude e refazermos a nossa teologia.

Todo este envolvimento social deve acontecer sem perder de vista que a missão primordial da Igreja é promover a reforma (parcial e provisória) da sociedade através da proclamação do evangelho de Jesus Cristo, aguardando os novos céus e a nova terra onde habita a justiça de Deus.

Para tanto, precisaremos de uma teologia, de uma pastoral e de uma práxis que são capazes de se reciclarem, de se abrirem e concorrerem para a construção de uma nova etapa do cristianismo.
Se o profeta é como o poeta, façamos nossas as palavras dos autores de Corações Civil:

...Se o poeta é o que sonha o que vai ser real
bom sonhar coisas boas que o homem faz e esperar pelos frutos...
...Assim dizendo a minha utopia eu vou levando a vida, eu vou viver bem melhor
doido para ver o meu sonho teimoso um dia se realizar. Amém!

Um comentário:

Anônimo disse...

Belo texto, ótimas ídéias.
Que Deus te abençoe muito.
Gostei muito do Blog, mas indo ao que interessa...e o truco, vai rolar quando? rs

Abração