quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

E Agora, Lula?

por Percival Puggina

Drummond, numa de suas mais conhecidas poesias, descreve a terrível situação do personagem José. Conta o poeta que José “está sem discurso, já não pode beber, já não pode fumar, cuspir já não pode, a noite esfriou, o dia não veio, o bonde não veio, não veio a utopia e tudo acabou”. Estaria José apto a enfrentar tantas dificuldades? E agora, José? Pois essa é a pergunta que me ocorre formular ao nosso presidente nas atuais circunstâncias da economia mundial. E agora, Lula?

Sob o ponto de vista político, o filho de Garanhuns se revelou extremamente hábil para escapar, no primeiro mandato, ao sorvedouro moral em que naufragaram quantos estavam à sua volta. Foi hábil para transformar em vantagem, na comunicação social, seu déficit escolar e a conseqüente incompatibilidade que mantém com a gramática. Foi hábil a ponto de conservar a imagem de operário mesmo quando regurgita as bem-aventuranças de que o luxo e a riqueza abastecem os poderosos. Foi hábil para carrear a seu crédito todos os bônus decorrentes de medidas que o PT transformara em ônus para seu antecessor. Foi hábil para extrair enormes dividendos políticos do fato de o país haver experimentado, em seu governo, consecutivamente, os seis melhores anos da nossa história republicana. Contou com céu de brigadeiro, mar de almirante e um bom dinheiro para servir aos pobres do país e do mundo. Em resumo, foi hábil para criar problemas aos adversários, sair-se dos próprios problemas e abraçar-se às facilidades com as quais se defrontou.

No entanto, pela primeira vez, fez-se noite em pleno dia e (como é dito numa frase que me enviaram) até a luz do fim do túnel foi temporariamente desligada. Coriscos cortam os céus, e o mar, revolto, recomenda o resguardo dos portos. Vai faltar emprego, vai faltar dinheiro. O trem da alegria que percorria o país distribuindo favores federais com verbas estaduais e municipais periga ficar retido num desmoronamento em Santa Catarina. Seria tudo de bom se o cenário se mantivesse como esteve ao longo destes últimos seis anos. O país continuaria crescendo em ritmo satisfatório, haveria mais emprego, mais renda e se reduziriam as pressões sociais. Mas... e agora, Lula?

Agora passamos a precisar, realmente, de um estadista. De alguém com discernimento necessário para o sim e para o não, para trocar popularidade por seriedade, para assumir ônus sem bônus, para inspirar confiança e não apenas simpatia, para pensar primeiro no Brasil e depois, bem depois, nas eleições de 2010 e nas geopolíticas do Foro de São Paulo. A utopia, sabemos, já foi para o saco há muito tempo. Mas e se a noite esfriar? E se o dia não vier? Não perguntem ao Drummond, que já morreu. Você sabe, não sabe?

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