Uma reflexão sobre o sentido do amor na encíclica Deus Caritas Est
Numa antiga basílica se encontrava uma velha pia batismal. Levaram então o amor para ser batizado. Sim, o amor. Ele chorava diante de tantos olhares curiosos. Com sua cabeça já submersa, pergunta o padre à assembléia: “E que nome lhe querem dar”? Esta não era uma pergunta retórica. Uma anciã trêmula se levanta a duras penas. Apoiada em seu cajado propõe: “Consolo! Deve se chamar Consolo.” E segue tossindo. Após uma prolongada pausa, levanta um jovem propondo: “Prazer. Assim se deve chamar.” Em seguida um empresário: “Fama!”, e logo uma dona de casa: “Respeito”. Muitos se atreveram a dar-lhe um novo nome, segundo seus interesses. O amor já quase se afogava. Finalmente, vendo que cada um gritava a própria mercadoria quase como sucede numa feira dominical, e que o amor é muito mais que tudo isso, o padre lhe suspende e diz: “Basta! Ele se chamará... AMOR!”
O fenômeno que acontecia naquela grande basílica é o retrato das deformações do amor em tantos âmbitos da nossa sociedade. O amor parece ter muitos nomes. E seguem querendo batizá-lo. Depois de tantas e tantas vezes maltratado ele já é quase irreconhecível, um maltrapilho. Mas qual é o autêntico rosto do amor? Acaso não morreu entre os cabos de televisão e internet, no coração de tantos jovens e famílias? Não arrugamos o rosto do amor? Qual é o seu verdadeiro nome?
Nas páginas da Encíclica Deus Caritas Est, Bento XVI vai delineando magistralmente o verdadeiro rosto do amor. Mostra primeiramente que não é um mero êxtase sensual e egocêntrico que arrasta a pessoa para fora de si em um arrebato quase divino. Não é aquela alegria suprema que ultrapassa os limites da razão. Não é o prazer descontrolado e egoísta que enclausura o homem nas trincheiras de seu ego. Não é puro eros (amor possessivo). De fato, “[...] o eros inebriante e descontrolado não é subida, «êxtase» até ao Divino, mas queda, degradação do homem. Fica assim claro que o eros necessita de disciplina, de purificação para dar ao homem, não o prazer de um instante, mas uma certa amostra do vértice da existência, daquela beatitude para que tende todo o nosso ser” (DCE I, 4).
O amor tampouco é aquele afã filantrópico descontrolado que faz com que a pessoa abondone a si mesma e seus compromissos. Não é a mera oblação pessoal mecânica que nega nossa necessidade vital de ser amados e correspondidos. Não é um ágape (amor de entrega, oblativo) desmedido. A experiência do amor humano maduro é bem diversa: é a síntese ordenada destas duas formas. “Na realidade, eros e agape — amor ascendente e amor descendente — nunca se deixam separar completamente um do outro. Quanto mais os dois encontrarem a justa unidade, embora em distintas dimensões, na única realidade do amor, tanto mais se realiza a verdadeira natureza do amor em geral. [...] à medida que se aproxima do outro, far-se-á cada vez menos perguntas sobre si próprio, procurará sempre mais a felicidade do outro, preocupar-se-á cada vez mais dele, doar-se-á e desejará « existir para » o outro. Assim se insere nele o momento da agape; caso contrário, o eros decai e perde mesmo a sua própria natureza” (DCE I, 7).
Amor é amar e ser amado, é doar-se e é também receber, é ágape e eros. Quando eros e ágape fazem as pazes e se harmonizam na pessoa, “[...] Agora o amor torna-se cuidado do outro e pelo outro. Já não se busca a si próprio, não busca a imersão no inebriamento da felicidade; procura, ao invés, o bem do amado: torna-se renúncia, está disposto ao sacrifício, antes procura-o” (DCE I, 6).
Não se pode viver só de eros. Um amor possessivo que busque somente receber não deve sequer ser chamado de «amor», mas de «egoísmo brutal». A pessoa se realiza buscando e oferecendo amor. Quando o oferecimento do amor é gratuito e sincero, somos amados também, em resposta. Que exemplo tão grande nos deram disso os primeiros cristãos e os santos: souberam tomar a iniciativa, amar, dar o passo, ceder, perdoar. Viviam segundo um amor autêntico, um amor de oferecimento de si e de aceitação. Amavam e eram amados.
A família e a sociedade muda quando triunfa esse amor sincero. São bem diversas quando o amor sintetiza doação e recebimento, oferecimento de si e aceitação do outro. São diversas quando o amor é menos egoísta, quando o amor é AMOR!
É verdade, parece que nos cabos de internet e na televisão flui mais o eros desmedido que o amor sincero. Mas não devemos cruzar os braços e deixar que batizem o amor com mil nomes desconhecidos. A renovação do amor deve começar desde o coração de cada cristão. Assim sentia o Santo Padre ao terminar sua primeira encíclica, Deus Caritas Est, com a frase: “Viver o amor e, deste modo, fazer entrar a luz de Deus no mundo [...]” (DCE II, 39).
Rebatizemos o amor em nossas vidas, não segundo nossos interesses pessoais, mas segundo o que ele realmente é. O amor sempre existirá. O que muda é como o vivemos.
Numa antiga basílica se encontrava uma velha pia batismal. Levaram então o amor para ser batizado. Sim, o amor. Ele chorava diante de tantos olhares curiosos. Com sua cabeça já submersa, pergunta o padre à assembléia: “E que nome lhe querem dar”? Esta não era uma pergunta retórica. Uma anciã trêmula se levanta a duras penas. Apoiada em seu cajado propõe: “Consolo! Deve se chamar Consolo.” E segue tossindo. Após uma prolongada pausa, levanta um jovem propondo: “Prazer. Assim se deve chamar.” Em seguida um empresário: “Fama!”, e logo uma dona de casa: “Respeito”. Muitos se atreveram a dar-lhe um novo nome, segundo seus interesses. O amor já quase se afogava. Finalmente, vendo que cada um gritava a própria mercadoria quase como sucede numa feira dominical, e que o amor é muito mais que tudo isso, o padre lhe suspende e diz: “Basta! Ele se chamará... AMOR!”
O fenômeno que acontecia naquela grande basílica é o retrato das deformações do amor em tantos âmbitos da nossa sociedade. O amor parece ter muitos nomes. E seguem querendo batizá-lo. Depois de tantas e tantas vezes maltratado ele já é quase irreconhecível, um maltrapilho. Mas qual é o autêntico rosto do amor? Acaso não morreu entre os cabos de televisão e internet, no coração de tantos jovens e famílias? Não arrugamos o rosto do amor? Qual é o seu verdadeiro nome?
Nas páginas da Encíclica Deus Caritas Est, Bento XVI vai delineando magistralmente o verdadeiro rosto do amor. Mostra primeiramente que não é um mero êxtase sensual e egocêntrico que arrasta a pessoa para fora de si em um arrebato quase divino. Não é aquela alegria suprema que ultrapassa os limites da razão. Não é o prazer descontrolado e egoísta que enclausura o homem nas trincheiras de seu ego. Não é puro eros (amor possessivo). De fato, “[...] o eros inebriante e descontrolado não é subida, «êxtase» até ao Divino, mas queda, degradação do homem. Fica assim claro que o eros necessita de disciplina, de purificação para dar ao homem, não o prazer de um instante, mas uma certa amostra do vértice da existência, daquela beatitude para que tende todo o nosso ser” (DCE I, 4).
O amor tampouco é aquele afã filantrópico descontrolado que faz com que a pessoa abondone a si mesma e seus compromissos. Não é a mera oblação pessoal mecânica que nega nossa necessidade vital de ser amados e correspondidos. Não é um ágape (amor de entrega, oblativo) desmedido. A experiência do amor humano maduro é bem diversa: é a síntese ordenada destas duas formas. “Na realidade, eros e agape — amor ascendente e amor descendente — nunca se deixam separar completamente um do outro. Quanto mais os dois encontrarem a justa unidade, embora em distintas dimensões, na única realidade do amor, tanto mais se realiza a verdadeira natureza do amor em geral. [...] à medida que se aproxima do outro, far-se-á cada vez menos perguntas sobre si próprio, procurará sempre mais a felicidade do outro, preocupar-se-á cada vez mais dele, doar-se-á e desejará « existir para » o outro. Assim se insere nele o momento da agape; caso contrário, o eros decai e perde mesmo a sua própria natureza” (DCE I, 7).
Amor é amar e ser amado, é doar-se e é também receber, é ágape e eros. Quando eros e ágape fazem as pazes e se harmonizam na pessoa, “[...] Agora o amor torna-se cuidado do outro e pelo outro. Já não se busca a si próprio, não busca a imersão no inebriamento da felicidade; procura, ao invés, o bem do amado: torna-se renúncia, está disposto ao sacrifício, antes procura-o” (DCE I, 6).
Não se pode viver só de eros. Um amor possessivo que busque somente receber não deve sequer ser chamado de «amor», mas de «egoísmo brutal». A pessoa se realiza buscando e oferecendo amor. Quando o oferecimento do amor é gratuito e sincero, somos amados também, em resposta. Que exemplo tão grande nos deram disso os primeiros cristãos e os santos: souberam tomar a iniciativa, amar, dar o passo, ceder, perdoar. Viviam segundo um amor autêntico, um amor de oferecimento de si e de aceitação. Amavam e eram amados.
A família e a sociedade muda quando triunfa esse amor sincero. São bem diversas quando o amor sintetiza doação e recebimento, oferecimento de si e aceitação do outro. São diversas quando o amor é menos egoísta, quando o amor é AMOR!
É verdade, parece que nos cabos de internet e na televisão flui mais o eros desmedido que o amor sincero. Mas não devemos cruzar os braços e deixar que batizem o amor com mil nomes desconhecidos. A renovação do amor deve começar desde o coração de cada cristão. Assim sentia o Santo Padre ao terminar sua primeira encíclica, Deus Caritas Est, com a frase: “Viver o amor e, deste modo, fazer entrar a luz de Deus no mundo [...]” (DCE II, 39).
Rebatizemos o amor em nossas vidas, não segundo nossos interesses pessoais, mas segundo o que ele realmente é. O amor sempre existirá. O que muda é como o vivemos.
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