terça-feira, 13 de maio de 2008

EXPECTAÇÃO Nº 4

Ângelo Monteiro*

Iniciei a minha vida pública
semeando equívocos, de qualquer forma melhores
que as pretensões habituais
dos falsos sustentadores da ordem do mundo.

Iniciei a minha vida pública
falando, quando deveria calar.
e calando, quando deveria falar.
Em nenhuma parte
encontrei os seres de minha escolha:
agregando-me àqueles sem parte alguma com minha alma
e desagregando-me de outros que deveriam estar comigo.

Meu erro fundamental
foi julgar que houvesse acaso no mundo.
Quando, mesmo entre os cultivadores do acaso,
existe a misteriosa exigência de uma ordenação.

Não sou responsável pelos eclipses
nem pelos cataclismos:
eles por si dispensariam meu testemunho.

Mas sou responsável por ter traído minha própria voz,
condescendendo com apelos estranhos à minha natureza.
Sou responsável por ter gerado
das minhas próprias forças o Antípoda.
E o Deus me recrimina em tom de bênção,
e apesar de o ter vilmente traído,
depois de confundir todas as vozes
(as dos anjos e as dos demônios)
ainda me faz reencontrar o eco sagrado de sua voz
há tanto tempo perdida.


*Ângelo Monteiro é poeta e professor de Filosofia da Arte e Filosofia de Literatura da UFPE. Poesia extraída do “O Inquisidor”.

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