quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Calvino, a Igreja, e a Sociedade...

por Antonio Carlos Barro

Todos nós que aceitamos a fé e crescemos debaixo da influência dos fundamentalistas e dispensacionalistas aprendemos desde cedo que religião e política não se misturam. A tarefa da igreja, fomos ensinados, é a de ganhar almas para Cristo. Fomos doutrinados a deixar as coisas "políticas" de lado, a orar pelo governo e a não se envolver com nada que é secular, pois isto era tarefa para os não-crentes. Milhares de nós ainda estamos com as mentes bloqueadas a respeito da política; a nossa mente se torna culpada quando falamos de coisas que não são "espirituais". Ainda temos um medo profundo dos rótulos que as pessoas "espirituais" irão nos colocar quando pregamos um sermão onde a justiça é destacada, onde o direito do pobre é ressaltado. Os rotuladores estão sempre a nossa espreita para ver se ainda estamos debaixo do conceito que eles determinaram ser o correto para um bom crente. Com medo dos caçadores de fantasmas e de perder privilégios adquiridos, são bem poucos os que têm coragem de quebrar com aquilo que foi estabelecido e que se tornou conveniente com o passar dos tempos.


Agradável surpresa é descobrir que figuras históricas (que muitos se dizem seguidores) nos legaram um passado rico a respeito do papel da igreja na sociedade. Este passado também está sendo convenientemente esquecido, porque não é bom mexer com a casa de marimbondos.


Uma dessas figuras históricas é o reformador João Calvino, cuja bibliografia é por demais conhecida. Quando pensamos em Calvino, o que nos vem a mente são os seus ensinos teológicos, tais como a predestinação, que produziram e produzem muitos debates. Todavia, são bem poucos os que se lembram do impacto que Calvino produziu na sociedade secular da sua época. W. Fred Graham em seu livro The Constructive Revolutionary: John Calvin and His Socio-Economic Impact (John Knox Press, 1978), nos lembra que segundo Calvino:


1. A igreja precisa orar pelas autoridades políticas. Comentando em 1 Tm 2:2, ele afirma que nós precisamos não somente obedecer a lei e os governantes, mas também em nossas orações suplicar pela salvação deles. De acordo com Graham, Calvino era terminantemente contra qualquer rebelião armada contra o governo.


2. A igreja precisa encorajar o estado a defender os pobres e os fracos contra os ricos e poderosos. Este ponto é muito importante para nós nos dias atuais porque coloca a igreja contra toda injustiça econômica e torna claro que a pregação do evangelho está ligada com a demanda para uma justiça social. Comentando em Salmos 82:3 ele afirma: "...um justo e bem equilibrado governo será distinguido por manter os direitos dos pobres e dos aflitos". Calvino não era um pastor que se impressionava com a moralidade superficial dos ricos ou daqueles em posições respeitáveis. A sua crítica a estas pessoas levou a igreja de Genebra a batalhar contra os juros elevados, a lutar por oportunidades de empregos e tudo aquilo que era pertinente a uma sociedade secular mais humana.


3. A igreja deve manter o seu status ao chamar as autoridades políticas para ajudar na promoção da verdadeira religião e até mesmo para reforçar a disciplina eclesiástica. Calvino estava pensando aqui nos reis do Antigo Testamento que ajudaram a restaurar a religião em dias de grande corrupção. Ele também refletia o pensamento da sua época, a idéia da respublica christiana.


Pensando na atual conjuntura brasileira, seria uma tragédia pedir que o governo ajude a igreja a promover a verdadeira religião, mas até que seria interessante ver algum órgão governamental pedindo prestação de contas de muitos grupos e igrejas que passam a maior parte do tempo vendendo todo o tipo de quinquilharias em nome do evangelho.


4. A igreja deve admoestar as autoridades quando elas são culpadas. Segundo o que Calvino comenta em Amós 8:4, os governantes sempre incorrem em erros, por essa razão os profetas se dirigiam a eles com grande vigor. Segundo ele, o povo comum erra e muitas vezes erra por causa do exemplo dos outros. Todavia, aqueles em posição de liderança são os que pervertem todas as leis e a igualdade. Assim sendo, os ministros, que são "as bocas de Deus" devem falar contra a injustiça, contra a negligência do dever e contra aqueles que agem como se Deus não existisse.


Graham conclui dizendo: "Para Calvino existia uma inegável separação entre os dois poderes. Mas desde que os dois estão debaixo do Senhorio de Cristo, a tarefa da igreja foi e continua sendo uma tarefa ativa em direção ao estado".

Fica para todos aqueles que pertencem à família de Deus, o desafio de refletir e agir sobre o dever individual de cada um na sociedade, mas muito mais importante ainda, fica o urgente convite para que igreja de Jesus Cristo não se esconda nos tempos e dos tempos em que vivemos. A igreja brasileira é desafiada a fazer a história, a exemplo da igreja de Genebra, e não a ser somente empurrada pela história.

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