Semana passada, o Banco Central divulgou a notícia de que o volume de crédito no país chegara a 37% do PIB, contra 22%, há seis anos. Tal notícia deveria ser comemorada, já que é notório o histórico baixo volume de crédito no país. Só para se ter uma idéia, nos EUA a relação entre o total de créditos e o PIB é de quase duas vezes, enquanto no Chile ele chega a 60%.
Mas, no lugar de comemorar, os urubus de plantão desandaram a vomitar idéias para frear o acesso do povão aos crediários. Sempre sob a surrada – e não menos arrogante – alegação de que a plebe ignara não tem capacidade e juízo para cuidar dos próprios interesses e administrar seus desejos e necessidades, não tardaram a aparecer inúmeras sugestões no sentido de que o governo deveria impor limites ao número de prestações postas à disposição dos consumidores (esses humanistas altruístas esquecem-se, é claro, de que quanto maior o número de parcelas, maior a possibilidade de o pobre adquirir alguns tipos de bens).
A síntese desse pensamento é a seguinte: as pessoas são incapazes de saber o que é melhor para elas e o governo deveria, portanto, protegê-las de seus próprios desejos, necessidades e ignorâncias, bem como da ganância e da esperteza de banqueiros e comerciantes. Somente o governo é sábio e os cidadãos são seres fracos, burros e sem juízo, que devem ser eternamente guiados pela mão para que não se machuquem.
Vejam, por exemplo, esta pérola, que encontrei no espaço de comentários de um blog freqüentado majoritariamente por gente de esquerda:
“Concordo que o nosso [sistema de] crédito é estúpido, mas muitas vezes me pego imaginando como é que as pessoas que podem não recorrer a esse expediente, continuam alimentando esse câncer. Não, não acho que isso seja ‘doença de brasileiro’. Basta olhar os EUA… Na verdade, a legislação precisa proteger as pessoas da sua própria cobiça e da esperteza alheia. Provavelmente é o que ocorre na Europa, que precisou de alguns séculos, guerras e alguns grandes pensadores e escritores. Poderíamos aprender a fazer isso mais cedo.”
Confesso que responder a esse tipo de bobagem me dá uma preguiça danada. Parece sempre que estou enxugando gelo. Mas, fazer o quê? Mãos à obra.
Como ensinou Milton Friedman, em seu fenomenal “Capitalism & Freedom”, o principal defeito dessas propostas é que, a pretexto de promover um suposto interesse geral, forçam os indivíduos a agir contra os próprios interesses. São medidas legais tão autoritárias quanto absurdas, pois pretendem proteger as pessoas de si mesmas – ou resolver supostos conflitos de interesse – não pelo estabelecimento de mecanismos para persuadir os homens a fazer opções diversas das originais, mas simplesmente forçando-os a agir contra o que seriam as suas escolhas se livremente pudessem optar. Em outras palavras, tais medidas simplesmente substituem os valores e desejos dos interessados pelos dos sábios e puros agentes públicos.
Além de essencialmente tirânico, essa visão está em frontal oposição com aquela que Adam Smith identificou como uma das mais fortes e criativas forças geradoras de prosperidade – a busca contínua e incessante de milhões de indivíduos em promover os respectivos interesses, vivendo suas vidas de acordo com os próprios valores e desejos. Não é outra a razão, também, porque esse tipo de política, ainda que muito bem intencionada, acaba surtindo efeitos opostos àqueles inicialmente desejados.
Malgrado toda a longa história das tiranias ao redor do mundo, a verdade é que os proponentes da liberdade e do livre mercado sempre estiveram na defensiva, especialmente em função da indefectível comparação entre o mundo real dos mercados – com todas as suas vicissitudes, injustiças e imperfeições – e o mundinho ideal que povoa os corações e as mentes de muita gente.
Em função desse ideal utópico, existe uma fortíssima tendência sociológica no sentido de se considerar quaisquer intervenções governamentais como boas e desejáveis, especialmente quando pretendem corrigir as famigeradas “falhas do mercado”. Tal inclinação para o intervencionismo, no entanto, desconsidera o fato de que, a exemplo do que ocorre com o mercado, o Estado é uma instituição humana e não um ser sobre-humano. Todas as ações e decisões oriundas dos governos são realizadas e determinadas também por indivíduos, os quais não necessariamente serão honestos, aptos, eficientes, desinteressados e livres de pressões externas.
O problema principal, portanto, não reside na nossa própria cobiça e na esperteza dos outros, como alega o comentarista acima mencionado. A questão está em como nos proteger da cobiça, da esperteza e dos demais vícios morais daqueles que fazem e executam as leis, monopolistas que são do uso da força.
Ademais, recorrendo à lição do grande F. V. Hayek, burocratas e políticos jamais poderão reproduzir toda a variedade e diversidade das ações individuais, mesmo porque não conhecem todas as informações, dispersas entre milhões e milhões de cabeças. Logo, ao estabelecer padrões uniformes e restringir o sistema de crédito ao consumidor, por exemplo, o governo irá, indubitavelmente, melhorar o padrão de vida de alguns poucos. No geral, porém, ele estará freando o progresso, pois substituirá a diversidade criativa pela uniformidade medíocre.
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