sábado, 16 de agosto de 2008

Cosmovisão...

Não são poucos os estudiosos que reconhecem a importância da Reforma Calvinista para a constituição do mundo ocidental moderno. Seu impacto se fez sentir nas relações internacionais, no comércio, nas artes, na indústria e na política. Neste campo, especificamente, sua importância foi reafirmada por cientistas políticos de renome – e com diferentes orientações ideológicas – durante o século XX, como Eric Voegelin, Michael Walzer, Christopher Hill e Herman Dooyeweerd.

Admite-se, naturalmente, que essa importância não é homogênea. Nem todos os setores da Reforma tiveram grande importância política, e a influência de cada setor mantinha suas peculiaridades. É quase consensual o reconhecimento de que o calvinismo teve um impacto construtivo na Europa que não encontra paralelo no luteranismo e na chamada “Reforma Radical”.

Portanto, a visão de mundo da teologia reformada visa contribuir para a ampliação da prática teológica. Uma fez que o pensamento influência o comportamento do ser humano, se faz necessário aprofundar nas implicações de um posicionamento teológico.

A geração atual corre para o abandono de suas raízes. Isto tem penetrado no seio da Igreja. Tem mudado a mente de teólogos. Tem gerado uma perda substancial no que tange a fé. O trabalho de um teólogo sério é a preocupação de resgatar não só a origem, mas o que pensavam os nossos pais na fé. E uma vez esta fé aplicada, ela tem o poder de impactar a sociedade.

A teologia reformada expõe várias compreensões sobre a vida. Não se resume em cinco pontos. No que diz respeito à fé todos tem uma posição teológica. Não existe neutralidade. Muitos fazem uma mistura de várias linhas teológicas, mas no final é preciso tomar uma decisão – o que seguir? Por onde caminhar?

Não há registro tão sério na história que revele o quanto uma linha teológica fez para o desenvolvimento de um povo a semelhança da tradição reformada. Os precursores entendiam que a espiritualidade não podia se restringir à devoção diária. Era preciso mostrar esta fé para uma sociedade chafurdada no caos. Nasce então, aquilo que pode ser considerado o propósito da vinda de Cristo – a Restauração. Os pais reformados entendiam que a obra de Cristo restaura uma sociedade falida, desorganizada e perdida. O que era embrionário na teologia de Lutero passa a crescer e a se desenvolver nos teólogos reformados que surgem depois. Num ambiente opressor, monárquico, desigual e de muitas misérias, os teólogos reformadores a luz da Sagrada Escritura e com seus profundos conhecimentos – diga-se de passagem, que os pais da reforma calvinista eram grandes eruditos – começaram a desenvolver o pensamento social, econômico e político que mudaria não somente a Europa, mas também a América do Norte, conhecida como “A Nova América”.

Qual é a razão para a teologia reformada ter sido e continua a ser tão relevante para a sociedade? Dizer que o significado de teologia é simplesmente o estudo sobre Deus não basta. Cada disciplina define seu método com base no objeto de estudo. Por exemplo, a física baseia-se na observação do modo como os corpos físicos se comportam, e a astronomia na observação dos movimentos dos corpos siderais.

Levando isso para o campo da teologia, vemos então que não basta dizer que é a “disciplina que estuda Deus”, mas que também é necessário considerar quem é este Deus que a teologia, e neste caso a Teologia Reformada estuda e como o conhecemos. O que podemos dizer é que o conhecemos por sua revelação, que é de suma importância para a teologia, principalmente da linha reformada. Nesta compreensão da revelação de Deus, que para a tradição reformada a Sagrada Escritura é a maior revelação, entende-se que Deus se revela e age na história. Partindo deste pressuposto, foi desenvolvido o que é chamado “As quatro grandes palavras do Cristianismo”, e são elas: Criação, Queda, Redenção e Restauração. É desta compreensão que nasce a cosmovisão reformada. A cristalina teologia bíblica. E para tanto, os pais da reforma concluíram que a teologia tinha as suas funções bem práticas. Quero pontuar algumas: 1) A teologia como sistematização da doutrina cristã; 2) A teologia como explicação da realidade; 3) A teologia como defesa da fé e como ponte até os não crentes; 4) A teologia como crítica da vida e da proclamação da igreja; 5) A teologia como amparo para a realidade humana.

O homem de hoje está inserido numa cultura em que existem várias cosmovisões. É uma busca para oferecer um sentido à vida. O alvo deste pluralismo é buscar uma resposta para explicar a realidade, a ordem e os dilemas existências. A marca deste século chamado de pós-moderno para muitos estudiosos é o relativismo. Uma mesclagem de tantas idéias contraditórias tem criado um caos ao invés de uma ordem. Porém, nada disso resolve o problema da situação existencial que a humanidade enfrenta no século XXI. Será que o pluralismo é adequado para construir e sustentar uma cultura, uma civilização? Ou para isso é preciso uma visão unificada da realidade?

Vale destacar o contexto atual em comparação com o contexto do primeiro século. Era um ambiente altamente pluralista. A média era de mais de trezentas seitas ou cosmovisões da vida e da realidade diferentes que havia quando a mensagem de Cristo foi proclamada pelos pais da igreja. Foi um desafio que o evangelho de Cristo ofereceu para povo da época. E tal evangelho legou ao mundo antigo uma cosmovisão íntegra e coerente, adequada para lidar com todas as áreas da vida.

Sob este prisma, quero trazer a compreensão do termo “cosmovisão” numa perspectiva reformada. A primeira pergunta deve ser – o que é cosmovisão?

A cosmovisão é um modo de ver o mundo. É a interpretação que fazemos da realidade derradeira. É o sistema de pressupostos que usamos para organizar e interpretar nossa experiência da vida. É literalmente nossa visão do cosmos.

Segundo James W. Sire, uma cosmovisão “é um conjunto de pressuposições (hipóteses que podemos ser verdadeiras, parcialmente verdadeiras ou inteiramente falsas) que sustentamos (consciente ou inconscientemente, consistente ou inconsistentemente) sobre a formação básica do nosso mundo”. [1]

A composição de uma cosmovisão pode ser definida em quatro pontos: 1) Pressuposto; 2) Lógica ou raciocínio; 3) Dados; 4) Conclusões. Não desconsiderando os outros pontos, que são importantes para a compreensão da cosmovisão, mas dois pontos aqui devem receber um destaque, são eles: dados e conclusões.

Uma cosmovisão não pode ser completa sem lidar com os dados empíricos deste mundo. É necessário lidar com as experiências da vida. É preciso entender que a cosmovisão parte do princípio de que algo existe. Isso pode ser ligado com os fatos que estão diante de uma pessoa. E estes fatos não podem estar desconectados. Se os dados da vida não fazem parte de um sistema que faça sentido, as pessoas procuram por alternativas.

Outra questão, é que a cosmovisão é composta de conclusões. É a maneira que as pessoas interpretam a realidade do mundo. E o interessante das conclusões é que elas são abrangentes. Todas as áreas da vida humana são tocadas. As experiências são valorizadas. Esta compreensão parte do pressuposto de que a pessoa não é fragmentada. Por que tudo o que acontece com o ser humano faz parte da sua vida e está dentro de uma cosmovisão. É preciso olhar para a pessoa como um ser completo, complexo e cheio de potencialidades. Este conceito recebe um clariamento quando percebe que a pessoa passa por diversas experiências num mar povoado pelo desconhecido. Aqui é refletido o mistério tanto da vida quanto do mundo. A beleza disto está na função da cosmovisão, ela coloca tudo isso numa perspectiva segundo a qual a pessoa possa construir a sua vida com um sentido de segurança e paz.

Surge então, as famosas perguntas que todo ser humano faz: Qual o propósito da vida? Toda cosmovisão implica uma teoria do propósito ou alvo da existência, a chamada teologia. Qual é o propósito da vida e da criação? Por que estamos neste universo? O que é a história? O universo existe por acaso ou foi planejado? Qual é o nosso lugar neste plano?

Notamos aqui que, quando estas perguntas são respondidas, teremos uma série de proposições. Uma cosmovisão consiste em várias idéias, proposições, enunciados (ou seja, doutrinas), que declaram os conceitos-chave de um sistema. Por conseqüência, para elaborar uma cosmovisão, é preciso falar de doutrina. Neste sentido, a teologia reformada elaborou um pensamento sistemático muito bem desenvolvido. Foi um pensamento elaborado de uma visão cosmológica da vida cristã integral. Portanto, fica mais do que evidente, que é impossível pensar com uma mente cristã sem fazer teologia prática.


O temor de Deus deve ser o elemento que inspira e anima a investigação teológica. Isso deve marcar a cadência da ciência. O teólogo é uma pessoa que se esforça para falar sobre Deus porque ele fala fora de Deus e por meio de Deus. Professar a teologia é fazer um trabalho santo. É realizar uma ministração sacerdotal na casa do Senhor. Isso é por si mesmo um serviço de culto, na consagração da mente e do coração em honra ao Seu nome. [2]



[1] MYATT, Alan & FERREIRA, Franklin. Teologia Sistemática: uma análise histórica, bíblica, e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007. p. 6.

[2] Citado por Henry Zystra, no prefácio à obra de Herman Bavinck, Teologia sistemática, p. 9.

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